CPI da Covid sugere indiciamento de Bolsonaro, Queiroga e mais 64
Relatório final da CPI tem mais de 1.100 páginas
O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado, apresentado nesta quarta-feira (20) pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), tem mais de 1.100 páginas, divididas em 16 capítulos e 29 tipos penais apontados. O texto, que será votado pelo colegiado na próxima terça-feira (26), pede o indiciamento de 66 pessoas e de duas empresas.
Entre os nomes da lista estão o do presidente da República, Jair Bolsonaro, e de quatro ministros: Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) e Walter Braga Netto (Defesa). Constam ainda, entre as sugestões de indiciamento, os ex-ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Eduardo Pazuello (Saúde). Entre os parlamentares, a lista traz os deputados federais Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, Osmar Terra (MDB-RS), Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e Carlos Jordy (PSL-RJ), além de três filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) e o vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos).
Também figuram no rol de pedidos de indiciamentos Luciano Hang, Otávio Fakhoury, Carlos Wizard, além da médica Nise Yamaguchi e do virologista Paolo Zanotto, todos nomes apontados como sendo de integrantes de um gabinete paralelo de aconselhamento do presidente na pandemia.
Uma das empresas da lista é a Precisa Medicamentos, que intermediou a negociação de um contrato que acabou cancelado pelo Ministério da Saúde para a aquisição de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin. A outra é a VTClog, contratada pelo Ministério da Saúde para cuidar da logística da distribuição de vacinas e insumos contra a covid-19, que também é suspeita de irregularidades.
Recuo
No parecer, o presidente Jair Bolsonaro é responsabilizado pela prática de nove crimes: epidemia com resultado morte; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo, incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; crimes contra a humanidade; e crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo).
Ontem (19) à noite, em uma reunião na casa do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), pontos divergentes do relatório foram discutidos pelo G7 – grupo de senadores independentes e oposicionistas. Com isso, o texto final do parecer sofreu alterações.
O grupo decidiu retirar do parecer, por exemplo, imputações ao presidente pelos crimes de genocídio contra indígenas e homicídio, que enfrentavam resistências entre o grupo majoritário na comissão. Para o senador Humberto Costa (PT-PE), que participou do encontro, o relatório de Calheiros “é consistente e sólido”, e a cúpula da comissão se preocupou em conferir mais precisão jurídica ao documento para que juízes e promotores não possam desqualificá-lo futuramente. “Não tínhamos condições técnicas para fazer esse enquadramento”, afirmou.
Ao chegar ao Senado na manhã de hoje, Renan Calheiros disse que, apesar do recuo na tipificação de crimes, não haverá prejuízo ao relatório, já que o presidente da República continuaria sendo enquadrado em crime contra a humanidade, em denúncia que será encaminhada pelo colegiado ao Tribunal Penal Internacional. Caso aprovadas pela CPI, as propostas de indiciamento contidas no relatório devem ser encaminhadas a instituições como o Ministério Público e a Câmara dos Deputados. “O procurador-geral da República [Augusto Aras] tem o dever de observar tudo o que foi investigado pela CPI", cobrou o relator.
As mudanças nos tipos penais, decididas na reunião na casa de Tasso Jereissati, fizeram com que o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier, e o secretário especial de Saúde Indígena, Robson da Silva, ficassem fora da lista final de pedidos de indiciamento. Um terceiro nome que foi retirado dessa lista é o do pastor Silas Malafaia, que havia sido incluído no relatório pela propagação de fake news.
Nesta quarta, antes do início da leitura do relatório, durante agenda na cidade de Russas, no Ceará, o presidente Bolsonaro disse "não ter culpa de nada" e criticou os trabalhos da CPI. Segundo o presidente, os senadores do colegiado "nada produziram a não ser ódio e rancor". "Como seria bom se aquela CPI estivesse fazendo algo de produtivo para o nosso Brasil. Tomaram tempo do nosso ministro da Saúde, de servidores, de pessoas humildes e de empresários. Nada produziram a não ser o ódio e o rancor entre alguns de nós", disse Bolsonaro. "Mas nós sabemos que não temos culpa de absolutamente nada", afirmou o durante discurso.
Críticas
Ao chegar ao Senado, na manhã desta quasta, o senador Flávio Bolsonaro, membro suplente da comissão, também criticou o relatório de Renan Calheiros. Para ele, o parecer é uma "piada". "Ele receberia da seguinte forma, você sabe aquela gargalhada dele?", disse Flávio Bolsonaro a jornalistas ao se referir ao seu pai, imitando a risada dele. "Porque não tem o que fazer de diferente disso. É uma piada de muito mau gosto o que o senador Renan Calheiros faz", avaliou. Ainda segundo Flávio Bolsonaro, que teve o indiciamento pedido pelo parecer final acusado de disseminação de fake news, o texto é "inconstitucional".
O relatório também foi alvo de críticas por parte de outros senadores governistas. Para Marcos Rogério (DEM-RO), a CPI focou apenas o governo federal, com o objetivo de desgastar o presidente Bolsonaro. Já Eduardo Girão (Podemos-CE), que se declara independente e é autor do requerimento para a investigação nos estados, diz que a comissão fechou os olhos à atuação de governos estaduais e prefeituras. Eles prometem relatórios alternativos ao de Renan.
Proposições
O parecer final da CPI tem uma parte dedicada à sugestão de 16 propostas legislativas, além de uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Uma delas trata da criação de uma pensão especial para os órfãos da covid-19 até 21 anos de idade. Há ainda projetos que pretendem criminalizar o combate da produção e divulgação de notícias falsas, especialmente as que envolvam temas ligados à saúde pública.
Sob o argumento de “coibir a prática de crimes executados em função da situação de calamidade pública na saúde” e reverter o uso do produto do crime em favor do combate à pandemia, o relator também incluiu duas propostas para alterar o Código Penal e a lei que dispõe sobre crimes hediondos. Em um dos projetos, Renan Calheiros prevê a tipificação de crime de extermínio, que já é previsto no Estatuto de Roma, que estabeleceu a criação do Tribunal Penal Internacional. “Trata-se de tipo penal semelhante ao do genocídio, já previsto na Lei nº 2.889, de 1956, com a diferença de ser voltado contra vítimas inespecíficas, em contraste com um grupo determinado”, explicou o senador. O projeto prevê pena de dois a 30 anos de prisão.
A inclusão da covid-19 como doença grave para os segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) também está entre as propostas de legislação do relatório final. Pelo texto, os segurados do RGPS não precisarão cumprir carência para ter acesso à concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. “Nesse contexto – e em razão de bem-vinda sugestão da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais à CPI –, apresenta-se proposição que acolhe solução a essa situação que também tem comprometido a segurança social de trabalhadores brasileiros”, ressalta Renan Calheiros.
Entre os projetos está ainda o que cria o Dia Nacional em Homenagem às Vítimas da Covid-19. Em outra proposição, os profissionais da saúde que trabalharam no atendimento de pacientes da covid-19 durante a pandemia também podem ser homenageados se aprovada a criação do Livro dos Heróis e Heroínas da Pandemia de Covid-19. A ideia é que o material seja incluído no acervo do Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília.
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