"Eu sei quanto custa um caixão, eu paguei o do meu filho", diz deputada ao criticar projeto de Bolsonaro
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - "Quanto custa uma cadeirinha? Eu não sei o valor de uma cadeirinha, eu sei o valor de um terreno no cemitério, eu sei quanto custa um caixão, eu paguei o caixão do meu filho", afirmou na quarta-feira (5) a deputada Christiane Yared (PL-PR), durante sessão do Congresso.
O vídeo da deputada na tribuna rodou as redes sociais. Yared é uma das vozes mais críticas ao projeto protocolado pelo presidente Jair Bolsonaro que flexibiliza o Código Brasileiro de Trânsito e acaba, por exemplo, com a multa para quem transportar crianças sem cadeirinha.
Em entrevista à reportagem, a parlamentar diz que o projeto deixa "uma leitura trágica para o Brasil" e afirma que o artigo que mexe com o traslado dos pequenos é inegociável. "Não tem o que melhorar nesse trecho, tem que ser extirpado. Nenhum parlamentar vai abrir mão [de tirar]", afirma.
Ela conta que a ideia de falar sobre o preço da cadeirinha na tribuna surgiu de um questionamento feito por um pai durante uma palestra de segurança no trânsito. "Eu estava dando uma palestra em um hospital com muitas gestantes e um pai levantou a mão e perguntou: 'a senhora sabe quanto custa uma cadeirinha?', e eu falei 'sei quanto custa um terreno no cemitério'. 'Ah, mas o bebê chora'. Querido, melhor ele chorar ali do que você chorar na frente da lápide ou no hospital."
Na quarta-feira (5), após críticas, o presidente afirmou que "todo mundo que é pai e mãe é responsável". Nesta quinta-feira (6), ele voltou ao assunto, dizendo que "nem precisava de lei". "Está mexendo com o seu filho. Precisa estar na lei algo para o seu filho ser protegido? Nem precisava de lei. Quem tem responsabilidade sabe disso, vai lá e bota a cadeirinha atrás e leva o bebê ali atrás", disse.
Para Yared, a educação brasileira de trânsito é pífia e os pais têm a sensação de que acidentes "são coisa de TV, da casa do vizinho". "As pessoas elas olham e elas até se compadecem, mas elas acham que com elas não vai acontecer aquilo", disse. "E normalmente as famílias que enterram filhos no trânsito, que é uma morte violenta e rápida, se desestruturam."
Segundo dados do Ministério da Saúde divulgados em junho de 2018, no ano de 2016 morreram 37.345 pessoas no trânsito no país.
A deputada, que apoiou Bolsonaro durante a eleição e se diz parte da base do presidente, afirma temer que as pessoas entendam que a restrição já foi derrubada. "O presidente, por ser um homem que comanda a nação, a palavra dele tem impacto. Quando ele fala, as pessoas podem compreender que isso já é lei e deixar de usar o equipamento porque acham que não vão ter problemas. E não é lei e não vamos permitir que isto passe", diz.
Ela quer receber a relatoria do projeto levado pessoalmente pelo presidente ao Congresso na terça-feira (6), e afirmou que é possível alterar alguns pontos do CTB, mas que as leis brasileiras são adequadas.
Ela defende, por exemplo, que motoristas profissionais possam ter um número mais elevado de pontos na carteira de habilitação, mas é contra o aumento para civis. "Nós compreendemos que às vezes a pessoa pega pontuações porque estacionou errado, não são infrações graves ou gravíssimas, que precisa ser retirada a carteira", diz.
A pauta principal do mandato de Yared, eleita pela primeira vez em 2014, é a segurança no trânsito. O motivo é a tragédia familiar que a levou ao Parlamento: em 2009, seu filho foi morto aos 26 anos pelo então deputado estadual Luiz Fernando Carli Filho. O parlamentar estava embriagado, segundo laudos, e dirigia o veículo a aproximadamente 170km/h. Além disso, tinha 130 pontos na carteira de habilitação e não poderia estar dirigindo.
O deputado foi preso em maio de 2019 e solto no último sábado (1º), autorizado a cumprir pena em casa com tornozeleira eletrônica. "A lei prende e o juiz solta", diz a mãe. "Ela está na contramão, porque se não pune, não educa", defende a parlamentar.
Além da questão da cadeirinha, a parlamentar, que é membro da comissão de viação e transportes e da subcomissão que analisa mudanças nas leis de trânsito, aponta que o exame toxicológico para caminhoneiros deve ser mantido. O texto revoga a exigência de exame para a emissão e renovação da CNH para as categorias C, D e E (o que inclui veículos de carga e ônibus).
"Eu tenho uma parceria grande com os policiais rodoviários federais, e os vídeos que eles nos enviam dos caminhoneiros alterados são realmente assustadores. São homens que trafegam conosco nas rodovias e causam tragédias gigantescas", afirmou. Ela defende que uma alternativa seria que os custos do exame (em São Paulo, é possível fazê-lo por cerca de R$ 200) sejam transferidos para o SUS.
"Talvez tirar esse peso deste exame, que é caro, do caminhoneiro e jogar para o SUS. Sai mais barato para ele arcar com esse exame do que ter que assumir depois a pessoa sequelada", afirma.
Outra flexibilização criticada é o fim do uso obrigatório de faróis em rodovias, mesmo durante o dia. "Quem não é visto, não é lembrado, existe esse ditado", diz Yared. "Quando você está numa rodovia com o farol aceso, é um alerta, salva vidas mesmo", diz.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ao canal GloboNews na quinta que a flexibilização do transporte de crianças não será aprovada na Câmara. O texto causou polêmica entre os deputados, e o fato de Bolsonaro ter ido entregá-lo em meio à agenda econômica, considerada prioritária, também irritou deputados.
O presidente da comissão especial da reforma da Previdência, Marcelo Ramos (PL-AM), chegou a dizer que o presidente "não tem noção de prioridade".
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