Lavagem de dinheiro em Angola financiou condomínio e resort de luxo na Paraíba, afirma PF
Segundo inquérito da PF, dinheiro sujo do país africano foi aplicado em empreendimentos imobiliários na costa paraibana.
De toalha, lavando dinheiro no Brasil
José Carlos de Castro Paiva estava na cama com uma mulher não identificada, usando apenas toalha enrolada na cintura, quando a PF entrou no quarto do hotel onde se hospedara em João Pessoa. Era 2017, cerca de sete anos após as autoridades terem colocado o banqueiro angolano no radar, em busca da origem do dinheiro estrangeiro que financiava empreendimentos milionários na costa da Paraíba.
Foram contatos no setor imobiliário que deram a pista à PF: os mesmos empresários que haviam construído o famoso resort Mussulo, no litoral sul do estado – inaugurado em 2009 –, finalizavam um segundo empreendimento luxuoso, dessa vez na própria capital. Era o Solar Tambaú, prédio de cinco andares no privilegiado ponto da orla da cidade onde grandes letras fincadas no calçadão proclamam “Eu <3 Jampa”. Inaugurado em 2017, o Solar Tambaú tem vista para o ponto de parada obrigatório para qualquer turista que visita a cidade.
O homem por trás de ambos os negócios, Castro Paiva, trazia milhões do exterior por meio de contas estrangeiras em empresas em paraísos fiscais, irrigando os cofres do resort e do Solar Tambaú.
A trama se revelou ainda mais intrincada quando a polícia obteve o mandado de busca e apreensão e surpreendeu Castro Paiva no hotel. Trêmulo e nitidamente envergonhado, o angolano entregou às autoridades o celular com suas prolíficas conversas via WhatsApp.
As mensagens revelaram, além de um estilo de vida regado a champanhe francês Moët & Chandon, a proximidade de Castro Paiva com o ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, com membros do alto escalão do Banco Angolano de Investimentos (BAI), além de um operador financeiro investigado pelo Senado dos Estados Unidos. E mais: documentos e uma agenda apreendidos revelaram registros de transações financeiras que indicavam um esquema de triangulação de dinheiro que saía de Angola, passava por empresas em paraísos fiscais e aportava no litoral da Paraíba.
De acordo com as investigações, Castro Paiva teria internalizado divisas estrangeiras equivalentes a cerca de R$ 13 milhões para a construção do resort Mussulo em 2009, por meio de uma obscura empresa chamada Mobilware, registrada na ilha caribenha de Dominica. O contrato para a vinda do dinheiro foi fechado com um homem apontado como “laranja” no esquema e o banco Sul Atlântico, com sede em Praia, capital do Cabo Verde.
A Pública procurou Castro Paiva através do Banco Angolano de Investimento e questionou o angolano sobre as acusações da PF e sua relação com o Resort Mussulo e o Solar Tambaú. A reportagem também perguntou a Castro Paiva sobre as denúncias de corrupção em Angola e desvio de dinheiro público das estatais africanas, mas não obteve resposta até o fechamento da reportagem.
Segundo a PF, os milhões terminaram na conta da GBF Empreendimentos Imobiliários e de Turismo, empresa registrada na Paraíba cujo dono de fato seria o português João Carlos Guerra Alves Pina Ferreira.
Segundo o inquérito, Pina Ferreira é um personagem-chave no esquema angolano: empreiteiro residente em João Pessoa, ele seria o sócio majoritário da empresa Mussulo Ltda., para a qual Castro Paiva destinou dinheiro vindo do exterior. Além de ex-diretor da GBF, Pina Ferreira é presidente da JCP Construções e Incorporações, empresa da qual Castro Paiva é conselheiro de administração. Ele teria atuado como gerente operacional tanto na construção do Resort quanto na do Solar.
A reportagem buscou insistentemente Pina Ferreira, que não respondeu às ligações da Pública. Também buscamos o empresário através de suas empresas GBF e JCP, sem sucesso.
Em 2017, cerca de oito anos após a inauguração do resort, mais dinheiro chegaria via Mussulo. Dessa vez, a transação ocorreu por meio da empresa que é proprietária do empreendimento, uma sociedade anônima também de nome Mussulo, porém registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, arquipélago do Caribe pertencente ao Reino Unido.
Desse paraíso fiscal partiram US$ 4 milhões, enviados via Geneva Wealth Capital Management, uma offshore de propriedade de Leonard Cathan, homem apontado pelo inquérito policial como um especialista em transações financeiras para ocultação de patrimônio. Em outras palavras, um profissional em lavagem de dinheiro.
Cathan, que estava na Paraíba com Castro Paiva em 2017, também teve seus documentos apreendidos pela PF. De acordo com o material analisado pelos policiais, ele maneja uma série de empresas offshore em benefício de Castro Paiva, como a Geneva. A lista de offshores inclui a Investec Bank, registrada em um terceiro paraíso fiscal, as Ilhas Maurício, arquipélago no oceano Índico a cerca de 2 mil quilômetros da costa sudeste do continente africano. Segundo as investigações, a Investec Bank de Cathan era usada também por Isabel dos Santos, filha do então presidente angolano que era tido como um ditador por organizações de direitos humanos.
A reportagem buscou Cathan através da Geneva, mas não obteve resposta até a publicação.
Dinheiro do petróleo angolano roda o mundo em paraísos fiscais José Carlos de Castro Paiva é um angolano de Golungo Alto, da província de Cuanza-Norte, que começou a carreira no mercado bancário português e passou a atuar no governo de Angola logo após o país ter se tornado independente, em 1975. Em 1976, já ocupava uma cadeira no importante Ministério de Recursos Minerais e Petróleo, de onde subiu posições até ocupar o posto de chefe do departamento de comercialização.
Era uma época de ascensão para a indústria petrolífera nacional: há registros de exportação de petróleo angolano desde o século 18, mas foi a partir da década de 1960 que a produção de fato escalou, culminando com a criação da estatal Sonangol – a Petrobras de Angola – em 1975. O petróleo passou de coadjuvante na economia angolana para representar cerca de um terço do PIB do país. Hoje, Angola é o segundo maior exportador da África, atrás da Nigéria, e faz parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opec).
Os passos seguintes de Castro Paiva, que se tornou um homem de confiança do presidente José Eduardo dos Santos, foram justamente na Sonangol – ele ocupou o cargo de diretor-geral da empresa na filial do Reino Unido entre 1987 e 2012 e, depois, permaneceu como administrador não executivo da estatal. Ao mesmo tempo, a partir de 1999, assumiu posições importantes no Banco Angolano de Investimentos, o primeiro banco privado do país, mas cujo sócio majoritário é a própria estatal de petróleo Sonangol.
A relação entre ambas as empresas é íntima – e problemática. Em 2010, uma investigação do Senado dos Estados Unidos apontou que executivos da Sonangol ocupavam cargos-chave no BAI e que o próprio Castro Paiva detinha 18,5% das ações do banco a partir de empresas offshore com o objetivo de “não atrair atenção indesejada” à sua participação no banco, segundo o Senado americano. Por meio das empresas offshore, Castro Paiva teria alcançado o posto de sócio majoritário do banco.
Foi na Sonangol que Castro Paiva teve ligação direta com Isabel dos Santos, filha mais velha de José Eduardo dos Santos. Segundo investigação do jornalista investigativo Rafael Marques, recursos desviados da filial da Sonangol no Reino Unido – da qual Castro Paiva foi diretor e, em seguida, administrador – chegavam à offshore Investec das Ilhas Maurício: justamente a empresa operada por Leonard Cathan, especialista em transações financeiras que trouxe o dinheiro de Castro Paiva à Paraíba.
Da Investec, o dinheiro da Sonangol seria usado por Isabel dos Santos para remunerar ilegalmente executivos da própria estatal, à época presidida por ela mesma, que apoiariam a sua direção à frente da petrolífera. Um petrolão à angolana.
Com um patrimônio estimado pela Forbes em algo próximo de US$ 2,3 bilhões, Isabel dos Santos entrou para o noticiário financeiro como a primeira mulher bilionária da África e a mais rica do continente. Além de ter dirigido a Sonangol, atuou junto à Sodiam, estatal de diamantes, possui uma joalheria suíça, é dona de uma rede de supermercados e tem participação em empresas como a Unitel (de telecomunicações), a ZAP (canal de TV) e o banco privado BIC.
Mais recentemente, Isabel também tem aparecido no noticiário pela suspeita de ter desviado US$ 1 bilhão – o equivalente a cerca de R$ 4 bilhões – de recursos públicos para a sua fortuna pessoal.
Ao final de dezembro do ano passado, a Procuradoria-Geral da República de Angola confiscou bens e contas bancárias de Isabel, de seu marido congolês, Sindika Dokolo, e de Mário Leite da Silva, presidente do Banco de Fomento de Angola. Já a Polícia Judiciária Portuguesa interceptou uma transferência de 10 milhões de euros que ela tentava enviar à Rússia por meio da Sonangol e da Sodiam, estatal de diamantes. A filha mais velha do ex-presidente angolano deixou de viver no país há um ano, segundo notícias da imprensa.
Em entrevista ao Financial Times em janeiro, Isabel disse estar em um inespecífico “país africano”, enquanto uma reportagem do jornal português Expresso afirmou que ela possui residência fixa em Dubai, nos Emirados Árabes.
Isabel nega todas as acusações.
Um solar de luxo escolhido a dedo pelo dinheiro angolano As transações financeiras de Castro Paiva na Paraíba, segundo as investigações da PF, não se limitaram “apenas” aos milhões que entraram no resort via paraísos fiscais no Caribe e na costa da África. O angolano recorreu também a uma figura conhecida pelas autoridades internacionais de combate ao desvio de dinheiro: um operador financeiro chamado Theodore Jameson Gilleti, que opera o banco britânico Standard Chartered Bank.
O banco, que foi condenado nos EUA a pagar uma multa de US$ 227 milhões por transações financeiras ilegais, tem forte atuação em Angola – a estatal de seguros do país, a Ensa, detém 40% das suas ações. Gilleti é diretor no BAI.
De acordo com a PF, Gilleti movimenta dólares americanos do BAI para beneficiar os controladores da instituição, como Castro Paiva, além de interceder para liberar limites milionários nos cartões de crédito dos dirigentes do Standard. Segundo as investigações, o americano utilizou o Standard para movimentar R$ 5 milhões da Sonangol para o Mussulo, em 2011. A transação ocorreu por meio de uma conta, no Santander, da empresa Mussulo Ltda, na Paraíba, da qual o empreiteiro Pina Ferreira é sócio.
Além disso, segundo as investigações, Gilleti operou com Castro Paiva para trazer R$ 10 milhões para o Solar Tambaú, em 2012.
A Pública procurou Gilleti através da Standard Chartered. Incialmente, recebemos uma confirmação que a reportagem seria respondida, o que não ocorreu até a publicação.
O metro quadrado mais caro de João Pessoa
A reportagem da Pública esteve no condomínio no final de 2017, anonimamente. Naquela época, segundo a agente de vendas, 40% das unidades haviam sido vendidas. “O povo tem aplicado dinheiro. Eu recebo gente de Brasília, Rio de Janeiro, de São Paulo, que quer se aposentar aqui”, disse.
A jovem explicou que, do terreno aos detalhes de decoração de cada apartamento, tudo foi escolhido a dedo pelos seus “patrões” – o português Pina Ferreira e sua esposa, que tratavam diretamente com os funcionários. “Aqui é o metro quadrado mais caro de João Pessoa”, comemorou. Mereciam destaque nos apartamentos, por exemplo, mosaicos italianos nas paredes das unidades, minuciosamente planejados por um arquiteto vindo da Europa especialmente para implementar a decoração. As portas, de madeira maciça, são igualmente italianas. Já as janelas receberam vidros duplos e as paredes, fibra de vidro para não aquecerem com o calor paraibano.
Diante de uma janela, a agente interrompeu a visita para compartilhar outro exemplo: as esquadrias, brancas, de alumínio composto inoxidável, que bloqueiam o sol nas horas mais quentes do dia, foram trazidas da Alemanha. “Isso aqui é alemão, três vezes mais caro que o chinês, mas todo mundo usa o chinês. Aí compraram o alemão. Então, ele triplicou o custo do revestimento, ninguém ia saber que ele estava comprando três vezes mais caro”, se gaba a vendedora. “Minha chefe disse: ‘Você diga às pessoas que isso aqui é alemão’”, explicou.
Segundo a vendedora, o terreno do Solar Tambaú pertencia a um antigo casarão, famoso na capital, que ficou abandonado por muito tempo antes de o dinheiro angolano conseguir arrebatá-lo. “Ninguém conseguia comprar porque ninguém tinha cacife”, disse a jovem. Entre os 130 apartamentos, há modelos de 47 a 337 m², além de lojas – entre elas, um estande de tiro.
No térreo, uma enorme piscina azul completa um deque de madeira, onde há um bar e mesinhas redondas ornamentados por vasos com coqueiros. “Tem até som de passarinho artificial quando você chega em um ambiente”, alegra-se.
A reportagem questionou a administração do Solar sobre as acusações de corrupção e a relação com Castro Paiva e Pina Ferreira, mas não obteve resposta. Após a publicação da reportagem, o Solar enviou uma nota afirmando ter entregue à Justiça toda a documentação do empreendimento e assegurando a lisura do Solar. A assessoria do Solar afirmou ser “mentira que a senhora Isabel dos Santos tenha qualquer participação no Solar Tambaú ou relação de negócios com o investidor José Carlos de Castro Paiva”. O Solar ainda acrescentou que o resort Mussulo não está ligado ao empreendimento a não ser “pelo fato do senhor José Carlos de Castro Paiva ser proprietário de 03 (três) dos 102 (cento e dois) bangalôs do resort”, disse a assessoria. Leia a nota na íntegra.
Hoje em dia o Solar Tambaú está de vento em popa, com boa parte dos apartamentos sendo alugada para temporadas e estadas curtas – com uma vista privilegiada do show que acontece na noite de Réveillon logo em frente.
O QUE DISSE A ASSESSORIA
Em nota, a defesa do Solar Tambaú disse: “A respeito de matéria jornalística divulgada em alguns sites no último final de semana, a direção do empreendimento imobiliário Solar Tambaú vem a público esclarecer:
Todo o investimento estrangeiro realizado para a construção do Solar Tambaú entrou no Brasil através do sistema bancário nacional, devidamente justificado e fiscalizado por todos os órgãos de controle do Banco Central (SISBACEN) e respeitando todas as regras bancárias brasileiras, que estão entre as mais rígidas do mundo.
Solar Tambaú – Os diretores do empreendimento, tão logo foram acionados pela Justiça brasileira, apresentaram toda a documentação do Solar Tambaú, inclusive as transferências bancárias, que comprova a legalidade do investimento, desde a compra do terreno até o processo de construção, que segue os mais rigorosos métodos de construção civil.
Portanto, os investidores e parceiros do Solar Tambaú podem ficar absolutamente tranquilos quanto a lisura do empreendimento e certos de que todas as informações que solicitadas pelas autoridades brasileiras foram prestadas com toda a clareza necessária.
O Solar Tambaú é um investimento feito majoritariamente pelo investidor angolano José Carlos de Castro Paiva. É mentira que a senhora Isabel dos Santos tenha qualquer participação no Solar Tambaú ou relação de negócios com o investidor José Carlos de Castro Paiva.
Tal insinuação seguramente ocorre devido às questões da política interna de Angola e está sendo alimentada de maneira leviana por pessoas envolvidas em diversos crimes contra o patrimôni
o privado aqui na Paraíba e que a justiça brasileira saberá julgar os responsáveis.
Qual a ligação entre o Solar Tambaú e Mussulo – O empreendimento Solar Tambaú não tem ligação corporativa e administrativa com o Resort Mussulo By Mantra a não ser pelo fato do senhor José Carlos de Castro Paiva ser proprietário de 03 (três) dos 102 (cento e dois) bangalôs do resort.
Enquanto o Solar Tambaú é um investimento feito majoritariamente pelo investidor José Carlos de Castro Paiva, o Resort Mussulo By Mantra foi construído por um grupo de 60 (sessenta) investidores angolanos que, em busca de oportunidades de negócios, viu na ausência de um resort de padrão internacional na Paraíba, uma boa oportunidade de investimento.
Golpe no Mussulo - O primeiro e único resort da Paraíba, inaugurado em 2009, teve as suas atividades encerradas em 2019. Infelizmente o empreendimento foi vítima do golpe financeiro praticado nos anos anteriores, por parte de pessoas que o gerenciava, resultando até na prisão dos envolvidos e abertura de ação penal contra os criminosos, movida pelos investidores.
O encerramento das atividades do Mussulo no ano passado, provocado pela gestão temerária de outros funcionários graduados causou a perda dos empregos de cerca de 150 trabalhadores e trabalhadoras, que de lá tiravam os seus sustentos e contribuíam para o desenvolvimento turístico do Estado.
Não é demais relembrar os saques ocorridos no resort em novembro de 2019, incentivados pelos referidos ex-funcionários graduados, após o encerramento das atividades do Mussulo, com o furto até de documentos do estabelecimento, além do furto dos equipamentos de todos os bangalôs, está sendo objeto de inquérito policial.