Juliano Moreira: quem é o médico negro que dá nome ao Complexo Psiquiátrico na Paraíba?
Conheça o médico que enfrentou diretamente as teorias médicas racistas, predominantes no início do século XX
O nome de Juliano Moreira está eternizado no Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira, em João Pessoa, na Paraíba. A homenagem reflete a importância deste médico baiano, nascido em Salvador em 1873, que revolucionou a psiquiatria no Brasil e se destacou por sua atuação profissional, coragem intelectual e enfrentamento ao preconceito racial em uma época marcada por discriminações e teorias pseudocientíficas.
Um prodígio da medicina brasileira
Filho de uma família humilde, Juliano Moreira ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia aos 13 anos, formando-se aos 18, em 1891. Seu talento precoce foi evidenciado em sua tese de conclusão, intitulada “Sífilis maligna precoce”. Em 1895, tornou-se professor substituto na mesma instituição, lecionando sobre doenças nervosas e mentais.
Moreira também ampliou seus conhecimentos na Europa, onde frequentou cursos e visitou instituições psiquiátricas em países como Alemanha, França e Itália. Essa experiência internacional moldou sua visão moderna e inovadora da psiquiatria, que ele aplicaria ao longo de sua carreira no Brasil.
Inovações no Hospício Nacional de Alienados
De 1903 a 1930, Juliano Moreira dirigiu o Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, onde implementou mudanças significativas. Ele aboliu o uso de camisas de força, substituiu grades de ferro por um ambiente mais humanizado e introduziu laboratórios de anatomia patológica e bioquímica. Essas reformas foram acompanhadas por uma renovação do corpo clínico, integrando especialistas de diversas áreas médicas.
Sua atuação institucional culminou na criação da Assistência aos Alienados, que mais tarde se tornaria o Serviço Nacional de Assistência aos Psicopatas. Juliano também foi autor de propostas legislativas e políticas públicas voltadas à saúde mental, consolidando-se como um dos maiores nomes da psiquiatria brasileira.
Combate ao racismo científico
Moreira enfrentou diretamente as teorias racistas predominantes no início do século XX, que associavam a miscigenação a uma suposta degeneração do povo brasileiro. Ele refutou essas ideias, defendendo que problemas de saúde mental e social estavam relacionados a fatores como alcoolismo, sífilis, verminoses e condições sanitárias precárias, e não à mestiçagem.
Em discursos e escritos, Moreira desafiava os preconceitos de sua época. Em sua posse como professor, em 1896, destacou que a cor da pele não deveria ser critério de julgamento, afirmando: Há quem se arreceie de que a pigmentação seja nuvem capaz de marear o brilho desta faculdade. Subir sem outro bordão que não seja a abnegação ao trabalho, eis o que há de mais escabroso. Tentei subir assim, e se méritos tenho em minha vida este é um (...) Só o vício, a subserviência e a ignorância tisnam a pasta humana quando a ela se misturam.
Legado nacional e internacional
Juliano Moreira também contribuiu para o avanço da psiquiatria com publicações científicas, participação em congressos e a fundação de revistas especializadas. Foi pioneiro na divulgação das teorias de Emil Kraepelin e introduziu conceitos da psicanálise no Brasil. Sua atuação internacional incluiu representações do país em congressos na Europa e no Japão, fortalecendo o intercâmbio científico entre o Brasil e o mundo.
Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira
O Complexo Psiquiátrico Juliano Moreira, fundado em 1928 em João Pessoa, é uma das maiores homenagens ao legado do médico. Com seu nome, reconhece-se não apenas o pioneirismo técnico, mas também o compromisso com a humanização do cuidado em saúde mental e o enfrentamento ao racismo.