Afroturismo em João Pessoa: cultura negra ganha destaque no turismo
Vertente destaca a cultura negra das cidades e também coloca como prioridade fornecedores negros
Quem visita João Pessoa se rende aos encantos de um belo litoral de águas claras e mornas. Mas a cidade que tem 439 anos também carrega consigo, além de muita beleza natural, um vasto repertório histórico. Paralelo ao turismo tradicional, que traz uma grande carga do período colonial na Paraíba, uma outra vertente turística tem ganhado espaço. O afroturismo dá destaque a cultura negra das cidades e também coloca como prioridade fornecedores negros nessa cadeia produtiva.
De acordo com a turismóloga e pesquisadora Barbara Tenorio, o afroturismo em João Pessoa, pode ser acionado para fins pedagógicos, de lazer, político e de vivências que familiarize e ensine sobre a importância do patrimônio histórico, cultural e natural para ter uma relação mais próxima com os espaços públicos. "São nesses lugares de memória que se mantém guardados mistérios, que só o afroturismo tem capacidade de desvelar por ter um olhar mais atento aos sinais deixados pela população invisível, ou seja, aqueles que não tiveram suas histórias registradas nos livros didáticos", afirma.
Os projetos Rota Sankofa Parahyba, Caminhada da Jampa Negra e o Raízes do Catolicismo Negro são algumas das ações que têm fortalecido o afroturismo em João Pessoa. E foi a busca pela própria origem e ancestralidade que levou o professor de Artes Visuais e guia turístico Felipe Coutinho a criar essas três vivências. “Sou nascido em João Pessoa e tenho origem afro-indígena. Foi buscando entender quem eu sou e de onde eu vim, procurando mais informações sobre meus familiares, toda essa minha ancestralidade que despertou o interesse de criar esses roteiros e falar um pouco sobre toda a origem dessa população nesse território”, contou Felipe.
Ainda de acordo com o guia turístico, através de passeios por lugares com grande presença de história de pessoas negras no Centro Histórico de João Pessoa, esse trabalho pretende ressignificar a história da população negra da Paraíba e dar luz a personalidades que foram apagados durante os séculos, além de chamar atenção de turistas, estudantes, pessoas locais que querem saber um pouco mais sobre a história do povo negro na capital paraibana.
O advogado Lucas Frizon, de Curitiba, esteve em João Pessoa no mês de julho. Em sua primeira vez na cidade, recorreu à internet para encontrar passeios que contassem a história local. Lucas escolheu a Rota Sankofa Parahyba. “A experiência foi ótima e rica de informação. Conhecemos símbolos que se tornaram populares na arquitetura de diversas construções, igrejas e casas dos séculos passados, geralmente construídas por escravizados, que tinham o conhecimento técnico ou da tecnologia e que puderam reproduzi-los aqui”, disse. Depois deste primeiro contato com o afroturismo, o advogado afirmou que a experiência o levou a priorizar a busca por guias que apresentam a cidade dessa forma a partir de agora.
Além de fazer passeios com moradores e turistas, Felipe Coutinho também realiza trabalhos com escolas, mas ainda enfrenta dificuldades. “A gente tem um trabalho com as escolas públicas e a gente encontra algumas limitações com as escolas que estão mais distantes do centro da cidade, por exemplo, para que ela consiga ônibus para trazer os alunos para a vivência. As escolas, muitas vezes, têm que arcar dinheiro do próprio bolso, seja dos alunos ou dos professores para poder pagar nessa vivência”, afirma.
A professora Manoela Fonseca participou com os alunos de uma das vivências no Centro Histórico e destacou a importância do Afroturismo para os jovens. “Foi uma uma vivência muito frutífera, muito produtiva para que nossos estudantes possam enxergar a nossa cidade por um outro ângulo, enxergar a história da população negra de João Pessoa como algo extremamente vivo”, enfatizou a educadora. É importante lembrar que a Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na educação básica. A lei é válida para todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental ao ensino médio.
Atualmente, o Ministério do Turismo está reunindo dados com as instâncias turísticas estaduais e municipais para mapear ações e políticas públicas voltadas à promoção do afroturismo em todo o Brasil. Para o guia Felipe Coutinho, com mais investimentos, tanto do setor público como do privado, e um olhar mais atento no âmbito acadêmico é possível tornar o afroturismo ainda mais fortalecido na Paraíba. “Formar profissionais para que tenham esse olhar é algo que precisa ser feito. Venho participando de algumas ações voltadas para que isso seja inserido na grade curricular e é isso que a gente precisa em nosso território para formar essas pessoas, para que isso se torne cada vez maior em nosso estado. Mas eu vejo com bons olhos o que a gente já vem desenvolvendo, já vem fazendo, atingindo as escolas, os turistas e vamos ampliar para que a gente tenha um afroturismo na Paraíba muito mais consolidado”, disse Felipe.
Para Barbara Tenorio, o segmento também se apresenta como importante aliado na luta antirracista. "É uma força inspiradora para a população negra em diáspora trabalhar de forma coletiva. Capaz de promover projetos inovadores que se dedicam à pesquisa e ações que incentivam uma maior compreensão da história do Brasil, a partir da contribuição negra e indígena, o que reconectaria a população brasileira a novas referências de identidade", disse Barbara.