Bancos digitais piratas usados para lavar dinheiro movimentaram R$ 7,5 bilhões; PCC era cliente
Facção usava esquema de "contas invisíveis" e maquininhas de cartão; fintechs vendiam serviços na internet e tinham conivência de bancos oficiais
Dois bancos digitais piratas que ofereciam serviços abertamente na internet e foram usados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) para lavar dinheiro do crime organizado movimentaram mais de R$ 7,5 bilhões. O esquema foi alvo de uma megaoperação da Polícia Federal (PF) nesta quarta-feira (28), em Campinas (SP), e teria conivência de dois bancos oficiais.
Desde as 6h, cerca de 200 policiais federais cumprem 17 mandados judiciais de prisão e 60 de busca e apreensão, em 14 cidades de São Paulo e na capital mineira, Belo Horizonte, na Operação Concierge. As duas instituições financeiras oficiais e os dois bancos digitais clandestinos são alvos de buscas em Campinas.
Os dois bancos digitais — chamados popularmente de fintechs — operavam a partir de Campinas, no interior de São Paulo. Sem autorização do Banco Central (BC) para atuar no sistema financeiro, T10 e I9 Banco usavam contas em dois bancos oficiais para movimentar dinheiro e afastar a origem criminosa de recursos próprios e de clientes.
As duas fintechs clandestinas ofereciam serviços abertamente na internet, vendendo "contas garantidas" para movimentações financeiras sem rastreabilidade de autoridades. As chamadas contas invisíveis davam garantia aos "clientes" de blindagem "contra ordens de bloqueio, penhora e rastreamento", informou a PF.
As contas abertas nos bancos Bonsucesso (atualmente BS2) e Rendimento serviam para movimentar os valores dos "correntistas" das fintechs, que não eram identificados nas transações. Chamadas de "contas bolsões", elas eram operadas pelas fintechs e garantiam invisibilidade a quem mandava e quem recebia o dinheiro.
A PF descobriu que por essas contas, nos bancos oficiais, passaram R$ 7,5 bilhões no período investigado.
Dinheiro do crime
O PCC era um dos clientes que usava as duas fintechs para lavagem de dinheiro, segundo a PF. Empresas com dívidas e alvos de bloqueios judiciais também usavam o esquema.
"A investigação demonstrou que a organização criminosa, por meio de dois bancos digitais – denominados fintechs –, ofereciam abertamente, inclusive, em sites da rede mundial de computadores, contas clandestinas, que permitiam transações financeiras dentro do sistema bancário oficial, de forma oculta, as quais foram utilizadas por facções criminosas, empresas com dívidas trabalhistas, tributárias e toda sorte de fins ilícitos", detalhou a PF em nota sobre a operação Concierge.
O esquema oferecia ainda pagamentos digitais com máquinas de cartão de crédito para lavar dinheiro, segundo a PF. Empresas de fachada eram usadas. Na Operação Concierge, 194 delas são alvos de ordens de suspensão das atividades.
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) colaborou com as investigações e denunciou os operadores piratas ao Ministério Público Federal (MPF).
Dois advogados, de Campinas e Sorocaba (SP), e quatro contadores, de Campinas, São Paulo e Osasco, também são alvos e tiveram seus registros profissionais suspensos. Foram bloqueados ainda R$ 850 milhões em contas dos envolvidos.
Ordens de prisão, buscas e apreensões e bloqueios foram determinados pela 9ª Vara Federal em Campinas. Foram dez mandados de prisão preventiva, sete de prisão temporária e 60 de busca e apreensão.
A PF cumpre as ordens em: Campinas, Americana, Valinhos, Paulínia, Jundiaí, Sorocaba, Votorantim, Embu Guaçu, Santana do Parnaíba, Osasco, São Caetano do Sul, São Paulo, Barueri, Ilha Bela e em Belo Horizonte (MG).
Os alvos são investigados por crimes de:
+ Gestão fraudulenta de instituição financeira;
+ Operação de instituição financeira não autorizada;
+ Evasão de divisas;
+ Ocultação de capitais (lavagem de dinheiro);
+ Crimes contra a ordem tributária;
+ Organização criminosa.
A PF informou que o nome da Operação Concierge, palavra em francês usada para profissional que atende necessidades específicas de clientes, "faz alusão à oferta de serviços clandestinos a quem os procurasse na cidade de Campinas para ocultação de capitais".
A reportagem procura contato com as defesas e representantes dos bancos e dos alvos. O espaço está aberto para manifestações.