Em nome da fé: entenda padrão de estelionato religioso que ilude fiéis na Paraíba
Portal T5 buscou análises para repetição de escândalos financeiros envolvendo padre e pastores paraibanos
Golpes praticados por líderes religiosos têm, na maioria das vezes, um único alvo: pessoas fragilizadas e vulneráveis. Em nome da fé, esses guias espirituais usam da posição de autoridade para enganar os seguidores de suas instituições, especialmente com objetivos financeiros. É uma espécie de padrão, mira fácil, apontam especialistas ouvidos pelo Portal T5.
De modo geral, golpistas utilizam da confiança das pessoas para alcançarem seus objetivos. E com os líderes religiosos não é diferente, avalia a doutora e professora em Ciências das Religiões, Josilene Silva da Cruz. "Estamos falando de pessoas que em geral são muito bem-preparadas, que detém o conhecimento. E seu poder de convencimento faz com que fiéis depositem nelas total confiança de que estão agindo corretamente", pontua.
O delegado Pedro Ivo tem a mesma percepção, e acrescenta que o argumento de autoridade dado aos líderes religiosos é um dos principais facilitadores de golpes por partes desses agentes. "A contribuição do fiel, de qualquer religião, à obra de uma instituição é legítima. A grande questão é discernir o limite entre a liberdade do sujeito de colaborar a partir de sua fé com um propósito legítimo e a iniciativa de pessoas que se aproveitam da condição de líderes religiosos para praticar estelionatos”, explicou.
É uma linha tênue e subjetiva porque envolve a fé das pessoas, compreende o delegado. Mesmo assim, a recomendação é tentar agir com racionalidade. "É importante estar atento se a doação é feita de forma consciente ou acontece mediante coerção. Além de verificar o destino das doações", afirmou Pedro Ivo.
Por trás do altar
Há pelo menos três meses, escândalos financeiros envolvendo líderes religiosos paraibanos têm ganhado repercussão na imprensa. Um padre e dois pastores evangélicos são investigados por participação em esquemas criminosos de desvio de dinheiro em benefício próprio. Investigações apontam um padrão nos golpes: todos usavam da posição de autoridade espiritual para enganar fiéis.
O caso mais recente investiga o envolvimento do padre Egídio de Carvalho, ex-diretor do Hospital Padre Zé, em um sistema de desvios de recursos públicos por meio da falsificação de documentos e pagamento de propinas. Uma denúncia anônima enviada ao Ministério Público da Paraíba (MPPB) afirma que o religioso teria sido movimentado milhões de reais ilicitamente. A apuração do caso tramita sob sigilo na Justiça.
Outros dois escândalos de desvio de dinheiro, com indícios de golpes milionários, aconteceram em igrejas evangélicas. Um dos casos aconteceu em João Pessoa e passou a ser investigado após uma denúncia de uma unidade da Assembleia de Deus, no bairro de Mangabeira. Conforme as investigações, o pastor Péricles Cardoso é acusado de estelionato após ter recebido de forma indevida cerca de R$ 2 milhões e está foragido.
O terceiro caso investiga a participação de uma pastora paraibana em um esquema fraudulento que enganava fieis com a promessa de lucros exorbitantes. Ela e o grupo teriam vitimado cerca de 50 mil pessoas no Brasil e no exterior e movimentado mais de R$ 150 milhões em cinco anos. Maria Aparecida Gomes é a única religiosa entre os líderes paraibanos citados que está presa.
E as igrejas?
Todos os casos estão em investigação, e a questão que surge é: esses escândalos afetam a credibilidade das instituições religiosas? Para a professora Josilene Silva é só questão de tempo. "A fragilidade, a meu ver, acontece de forma momentânea. Historicamente falando já se tem registro de inúmeros casos de corrupção praticada por líderes religiosos e, apesar disso, as instituições permanecem - algumas vezes mais fortes outras mais fracas", analisa.
"Mas não temos conhecimento de praticamente nenhuma vertente que tenha deixado de existir por conta de casos dessa natureza principalmente no meio cristão", completou a especialista em Ciências das Religiões.
Denuncie
É importante destacar que a confiança depositada em líderes religiosos não deve se tornar um escudo para encobrir crimes e abusos cometidos por aqueles que ocupam posições de autoridade espiritual. Líderes religiosos devem ser responsabilizados por ações criminosas, assim como qualquer outra pessoa.
De acordo com o delegado Pedro Ivo, em casos de supostos abusos financeiros, é sempre importante que as pessoas observem mudanças de padrão de rendimento dessas pessoas. "Se recomenda que os fiéis consigam ter o mínimo racional para identificar esses possíveis golpes", disse. Uma espécie de "confiar desconfiando".
Na Paraíba, as denúncias sobre supostos golpes devem ser registradas junto à Polícia Civil, em uma delegacia ou através do sistema de delegacia online (no endereço www.delegaciaonline.pb.gov.br).
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