Teatro Ednaldo do Egypto: venda põe em risco cultura e arte da Paraíba
Prazo para devolução do prédio que encerraria nesta quarta-feira (6) foi prorrogado por mais um ano
O prédio onde funciona o Teatro Ednaldo do Epypto, em João Pessoa, está à venda. De acordo com a prefeitura, a família que detém a propriedade havia solicitado a devolução do imóvel até esta quarta-feira (6). Às vésperas do fim do prazo, a gestão municipal conseguiu negociar a prorrogação desse período por mais um ano, para a continuidade das atividades culturais.
Inaugurado em 1995, o Teatro Ednaldo do Egypto, no bairro de Manaíra, é ambiente de espetáculos, atividades artísticas e diversas apresentações. O local é mantido pela Secretaria de Educação e Cultura (Sedec), mas o prédio é de propriedade privada da família do ator falecido em 2022.
O casarão amarelo destoa entre os arranha-céus embranquecidos. As seis janelas que olham para a Avenida Maria Rosa observam o progresso engolir de um tudo, mas resistem, presenteando a cidade com cultura, arte e educação.
Hoje, quem observa atentamente, percebe uma pequena placa vermelha nas grades azul. As letras garrafais revelam o possível destino da casa: venda. A comunidade local vive a expectativa pela renovação de vínculo, mas no caminho há incertezas.
Quem vive a arte
No Teatro Ednaldo do Egypto, Marcelly Rodrigues, de 11 anos, conheceu o encanto das artes cênicas pela primeira vez. Moradora do Jardim Veneza, ela descreve o teatro como “uma experiência viva”.
A estudante de escola pública foi levada ao teatro para acompanhar o 2º Festival Municipal de Teatro Estudantil, realizado em agosto. A menina ficou encantada com a complexidade das composições apresentadas por alunos.
“Isso é uma oportunidade única”
Ao assistir ao espetáculo “Esperançar Incomoda Que Só a Gota”, dos alunos da escola Padre Pedro Serrão, do bairro do Cristo Redentor, ela entendeu a capacidade do envolvimento proposto pela arte. “Aqui, além de ver, a gente pode sentir”, declarou.
Espetáculo de gente
A peça acompanhada por Marcelly propõe uma reflexão sobre o poder das escolhas. Fala de vida, existência e construção de um mundo melhor.
Atriz, a estudante Victoria Lima, 14 anos, vivência no palco diferentes características e significados da profissão artística. “Nós falamos sobre educação. Na minha participação, trago a necessidade de esperançar. Esperançar é ter garra, força e ir atrás daquilo que se quer”, disse.
A jovem que sonha cursar jornalismo pretende também nunca abandonar a arte. “Estou no teatro desde o ano passado. Tenho algumas apresentações aqui. É sempre uma sensação diferente”, descreveu. Não esconde a ansiedade sobre a possível venda do imóvel.
“Nosso coração fica apertado. Aqui foi onde fiz minha primeira apresentação. Acredito que a gente não pode deixar isso acontecer. A gente deve esperançar e não deixar o teatro morrer. A arte levanta tudo”, defendeu a estudante Victoria Lima.
Por trás da apresentação dissolvida em beleza, há trabalho firme e recompensador. O professor Flávio Ramos reforça que a transformação de vidas a partir da arte tem um poder incomparável. “A gente precisa se locomover trazendo essa importância da escola pública, da arte, da cultura em um processo de transformação de vidas”, apontou.
E lembra: “como é um teatro alugado pela prefeitura, há esse acesso direito dos sonhos dessas crianças. Este equipamento é de extrema importância. É fundamental que ele esteja aberto para que essas meninas, esses meninos, que muitas vezes não têm acesso ao palco, a plateia, possam vivenciar essa continuidade de trabalho. Não pode ser cortado bruscamente. Já não há tanto, e o pouco que resta não pode se perder”, atenuou.
Alma do teatro e janela da história
O Teatro Ednaldo do Egypto é o sonho de seu fundador. Morador de Cruz das Armas, Ednaldo Gonçalves do Egypto assistiu o primeiro espetáculo aos 8 anos. O encantamento levou o contador e economista fascinado pelas artes cénicas a constituir um legado de paixão. Tamanha devoção o fez fundar a própria casa de espetáculos.
Passagens importantes da vida de Ednaldo, impressas em fotografias, são expostas em um espaço anexo à construção principal do teatro. A história é contato por recortes, como cartazes de peças, diplomas de premiações e até cartas trocadas.
Conexão com o futuro
O teatro conta com mostras e festivais, principalmente com a participação do público infantil. Não só nas poltronas, mas no centro das atenções: o palco. É através da Escola de Teatro Ednaldo do Egypto que asas são acopladas àqueles que sonham com o futuro nas artes cênicas.
Nessa oportunidade, Manuella Paiva se encontra. Aos 10 anos, integra o elenco da peça ‘Espantaram o Espantalho’, que se apresentou durante o 2º Festival Municipal de Teatro Estudantil. “Estou achando maravilhoso. Quem tiver a oportunidade de viver o teatro, conhecer o teatro, viva. Vergonha não existe aqui”, adiantou.
“O teatro melhorou tudo na minha vida. Isso aqui é viver”, disse. A composição recebeu, inclusive, o segundo lugar na categoria de melhor espetáculo da competição. Felicidade estampada no rosto da dona Silvana, mãe de Manuella.
“O curso que ela faz é gratuito pela prefeitura. Isso aqui é inspiração para o social e pleno desenvolvimento dela. Estou emocionada, sou só gratidão”, disse dona Silva Paiva.
Admiração
Um dos principais nomes da dramaturgia paraibana, o ator Buda Lira faz do teatro morada de apreciação. Segundo o artista, o Teatro Ednaldo do Egypto possui uma "história valiosíssima para a cultura local", além de "ter o aspecto de ser localizada em um bairro e ter prestado serviços relaxantes para as ações educativas desde que prefeitura assumiu a gestão do espaço".
E confirma: "minha expectativa é de que o proprietário do teatro e a prefeitura encontrem alternativas para preservar a memória do local Teatro e, mais do que isso, ampliar as ações educativas do espaço e investir na requalificação da sua estrutura física".
Quem faz
Aos olhos daqueles que dão vida ao teatro Ednaldo do Egypto, a ansiedade é companheira. Sem saber o que acontecerá no dia 6 de setembro - prazo limite para devolução do espaço aos donos - Letícia Rodrigues, gestora da unidade, tem esperança.
Ela conta que houve a sinalização a respeito do início de tratativas por parte da Sedec e dos proprietários do imóvel.
“Existem diálogos entre a secretaria e os proprietários. A professora América Castro, nossa secretária, é muito sensível ao tema. Isso para que permaneçamos com o contrato de aluguel. Esse teatro não é só para artista. Ele é para alunos, as comunidades e toda sociedade em geral”, explicou Letícia Rodrigues.
A gestora avalia que fazer o Ednaldo do Egypto vivo demanda entusiasmo e articulação para uma programação diversa.
Além das atividades voltadas às crianças, Letícia assinala que há “várias ações na defesa da nossa cultura: o Cena Preta em Novembro, quando apenas atores negros se apresentam no palco; o Prêmio Ednaldo do Egypto, onde há valorização direta de quem faz o teatro. Os atores não pagam para se apresentar aqui. Diferentemente de outros teatros onde se cobra a pauta, aqui a renda com as peças é integral de quem faz. É o único no Brasil que designa a bilheteria de forma integral aos artistas. Enquanto artista também sei de todas as dificuldades enfrentadas”, completou.
“Esse teatro remete ao período em que eu era criança. Aqui é um grande Centro Livre Meninada, onde a criança se diverte, os pais se emocionam e há uma contrapartida ao social. É o teatro entregando elementos importantes na construção da sociedade”, diz Letícia Rodrigues, gestora do teatro.
Negociações
O Portal T5 buscou a Secretaria de Educação e Cultura do Município de João Pessoa sobre as tratativas para renovação do vínculo. Este conteúdo será atualizado em caso de respostas.