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dia das mães

Acolhimento entre mães fortalece rede de apoio contra a sobrecarga, na Paraíba

Pesquisa revela que 62,7% das mães se sentem cansadas ou sobrecarregadas

Por Carlos Rocha Publicado em
Fabiana Lemos, Sandra Melo e Juliana Terra contaram suas experiências como mães solo
Fabiana Lemos, Sandra Melo e Juliana Terra contaram suas experiências como mães solo (Foto: Carlos Rocha/ RTC)

Elas estão em todo lugar, sem definição de naturalidade, cor da pele, classe social ou religião. As mulheres que se sentem cansadas e sobrecarregadas após a maternidade são 62,7%, de acordo com uma pesquisa divulgada pela Mommys, rede de apoio materna formada por mais de nove mil integrantes. A maior parte das mães que responderam à pesquisa afirmaram que têm sensação de vazio, sendo os sentimentos de sobrecarga e cansaço os mais mencionados.

O dever de suprir a um ser suas necessidades físicas, psicológicas e sociais. Uma responsabilidade tamanha lançada sobre uma pessoa. Mas será que a tarefa de cuidar, amar e educar é de um só indivíduo ou do coletivo? O Portal T5 ouviu algumas mães solo que compartilharam suas experiências. Duas delas mencionaram um provérbio africano que diz que a responsabilidade da criação de um bebê é de uma aldeia inteira.

Mas e nas situações em que não há aldeia? Ou quando os integrantes dessa aldeia simplesmente ignoram essa responsabilidade?

O provérbio traz uma reflexão acerca da participação de todos na criação de um indivíduo, inclusive a sociedade. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura que é dever de todo cidadão respeitar e fazer respeitar os direitos de crianças e adolescentes. Fazer valer que aquele pequeno ser terá garantidos os seus direitos.

Uma das mães que citou o provérbio foi a professora Sandra Melo. Ela é mãe de três meninos: Karl, Marx e Martin. A educadora conta que a maternidade foi um divisor de águas na sua maneira de ver a vida.

"A minha primeira experiência com a maternidade foi há 13 anos. Foi um grato presente da vida, porque é um momento muito transformador para a mulher, no contexto geral, mas eu não fazia ideia do quanto seria transformador na minha vida. O quanto seria um divisor de águas para a pessoa que eu me tornei, para a construção da minha personalidade", disse.

Sandra contou que teve uma rede de apoio familiar maior nas duas primeiras gestações. Na terceira, já divorciada, o processo foi ainda mais desafiador.

"Tive rede de apoio, mas mesmo assim eu me sinto ainda sobrecarregada, especialmente no terceiro filho. Eu já estava sozinha, separada, foi um processo muito mais difícil, porque foi muito mais cansativo para mim. Nunca parei de estudar e nem de trabalhar. Só os primeiros 6 meses do bebê é extremamente cansativo, e também lidar com todas as questões que o puerpério traz".

Apesar disso, a professora frisou que sempre tinha o cuidado de assumir o papel de mãe sem anular-se como mulher, como cidadã, como parte da sociedade.

"É uma linha muito tênue dar conta disso tudo e não se perder ao mesmo tempo. A responsabilidade é muito grande em cima da mulher e aos olhos da sociedade ela não pode errar. Acho que a maioria das mulheres se sentem culpadas em algum momento, porque a gente fica se cobrando muito. Mas todas as vezes que eu me sentia culpada eu fazia o exercício de retirar todo o sentimento de culpa de mim. É importante que a gente tenha essa consciência de que nós não somos culpadas, a gente faz o que a gente pode fazer, cada mulher dá o que ela pode dar dentro do seu processo de maternidade e não merece julgamentos", disse.

"O machismo estrutural faz isso, joga muitas responsabilidades em cima da mulher e, infelizmente, a mulher faz essa autocrítica de forma exacerbada".  (Sandra Melo - Professora)

Rede de apoio materno: coisa de mulher?

É bem comum associarmos os cuidados e a criação de um bebê às mulheres e, como mencionou a professora Sandra, isso é reflexo de uma estrutura patriarcal de sociedade. Curiosamente, segundo o Ninhos do Brasil, a expressão "rede de apoio" tem cerca de 2900 pesquisas mensais nos sites de buscas. Nas pesquisas específicas, a expressão "rede apoio materno" responde por cerca de 1 mil pesquisas mensais. "Rede de apoio familiar", 390. Já "rede de apoio paterno" tem zero pesquisas.

A presença masculina na criação de uma criança é fundamental, mas na prática nem sempre isso acontece. Um levantamento da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais ArpenBR mostra que, das pouco mais de 32 mil crianças paraibanas que nasceram de janeiro a agosto de 2022, quase 1,8 mil foram registradas apenas com o nome da mãe.

Mas será que dar o sobrenome basta? Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que, a nível nacional, cerca de 11 milhões de mães cuidam de seus filhos sozinhas, com ou sem o nome dos pais das crianças na certidão de nascimento.

"Ninguém faz filho sozinho! Na verdade a responsabilidade tem que ser compartilhada. O pai tem 50% e a mãe tem 50%, mas muitas das vezes a sociedade coloca, historicamente, a mãe com a única responsável pela criação dos filhos. Até pouco tempo atrás era muito comum o pai ver a criança de 15 em 15 dias. Hoje já temos a guarda compartilhada, mas ainda assim o peso maior sempre é direcionado para mãe e para a família da mãe".

A fala acima é de Fabiana Lemos. Ela é administradora de empresas, mãe solo, faz parte de um coletivo de mães e acredita que o que a ajudou até aqui foi o que ela chama de "grande rede de maternância".

"Tenho uma menininha de 8 anos chamada Pietra que eu amo muito. É uma presente da minha vida, não tem como descrever ser mãe, é maravilhoso ser mãe. Agora também tem um desafio grande, que é o de conciliar é carreira, casa, maternidade. É muito pesado realmente. Uma mãe entende outra mãe e o lugar onde encontrei mais ajuda foi me unindo a outras mães. Formou-se uma grande rede de maternância em volta de mim na qual, além da ajuda mútua no cotidiano, trabalha-se a consciência coletiva da maternidade", contou.

Fabiana passou por um período obscuro de sua vida e fazer parte dessa rede foi vital e fundamental para enfrentá-lo.

"Eu tive câncer de mama e nessa fase, dentro de uma pandemia, tive suporte de uma rede de mulheres que entendem e que estão do mesmo lado que a gente. Eu acho que foi essencial para mim. Eu não teria passado por essa doença tão pesada se eu não tivesse esse suporte, esse carinho, esse aconchego de pessoas que sabem o que é ser mãe solo", revelou.

Fabiana conheceu o grupo de mães através de uma amiga em comum e, de cara, viu que precisava fazer parte daquela "grande família".

"Eu tinha uma amiga em comum que já fazia parte da rede e me apresentou em um evento. Já gostei ali, porque o que eu vi foi acolhimento. Eu vi várias mães com todas as suas crias brincando juntas. As mães estavam lá se divertindo, curtindo, conversando, enquanto as crianças estavam brincando, correndo. A gente fazia lanche coletivo, comida coletiva, todo mundo se ajudava, todo mundo levou alguma coisa, ninguém gastou muito. Achei tão gostoso aquele clima e dali eu entrei para ficar", contou.

A administradora ressaltou que a pressão imposta pelo sacerdócio da maternidade faz com que as mulheres absorvam responsabilidades injustas. Disse que isso pode trazer peso, problemas psicológicos, depressão e que toda essa sobrecarga deve ser colocada para fora.

"A pessoa deve falar, procurar apoio, procurar ajuda, porque às vezes a gente quer ser super mulher. A gente quer dar conta de tudo e a gente, às vezes, não dá. A gente precisa admitir que estamos precisando de ajuda, procurar as amigas procurar, os parentes e dizer 'olha, me ajuda'". (Fabiana Lemos - Administradora)

Sobrecarga e vulnerabilidade social

A sobrecarga e a falta de alguém para dividir esse peso vem atingindo mulheres no contexto geral, mas o impacto maior acaba sendo na vida daquelas que vivem em vulnerabilidade. Juliana Terra, jornalista, mãe solo, e uma das pioneiras de um grupo de mães chamado Coletiva Pachamamá afirmou que essa é a realidade de muitas das que teve oportunidade de conhecer, a exemplo das marisqueiras, quilombolas e de comunidade periféricas.

"A nossa grande preocupação são justamente essas mães. As vezes a gente faz a autocrítica que, internamente, boa parte do grupo são mulheres mães de classe média e/ou acadêmicas. Como é que a gente chega nas mulheres que estão em uma situação realmente de vulnerabilidade? As mulheres da periferia, as mulheres quilombolas, as mulheres marisqueiras. Se eu estou achando que está difícil para mim, imagina para essas mulheres? Não sei como é que elas dão conta de tanta coisa, porque são violências sistêmicas que elas sofrem o tempo todo", disse.

Coletiva Pachamamá, grupo de mães que Juliana integra, atua no apoio mútuo entre mães e filhos, com o foco também no autocuidado, formação cidadã e acolhimento. Através da rede de apoio, muitas compartilham dúvidas, angústias, histórias e vivências sobre a maternidade. Mas o grupo não se limita à essa troca de experiências, mas a proporção de ações sociais, educativas, de saúde e de serviços.

"Tem uma frase que diz: 'Eles querem que você trabalhe como se não tivesse filho, ao mesmo tempo que querem que você tenha um filho como se não trabalhasse'. A conta não fecha, sabe". (Juliana Terra - Jornalista)

A jornalista contou que uma das experiências mais intensas foi no período de pandemia. Ela pontuou que as pessoas mais impactadas no ápice da Covid-19 foram as mulheres e mães. Foi nesse período que nasceu o projeto "Fartura na Casa das Mães" que visava a montagem de cestas básicas para garantir o alimento para mulheres que, muitas vezes, não tinham o essencial e básico para oferecer aos filhos.

"Foi um processo muito intenso. Nos organizamos e pedimos doações, fizemos ofícios, conseguimos arrecadar material para kits pedagógicos para as crianças. Conseguimos garantir alimentação para sessenta mulheres em situação de vulnerabilidade por mês. Esse projeto continuou por mais dois anos", disse.

Depois desse período, o projeto perdeu musculatura, porém não demanda. Enquanto falava, Juliana chegou a se emocionar dizendo que ainda hoje algumas mães pedem essa ajuda. Ela convidou a uma reflexão acerca dessas mães que não podem trabalhar por não ter com quem deixar os filhos e, ao mesmo tempo, trabalham muito para manter a rotina de cuidados e criação de seus filhos. Tudo isso diante do olhar muitas vezes julgador e questionador da sociedade.

"A gente não escolhe ser a super mulher, a gente é colocada neste lugar e por sermos tão julgadas e cobradas, temos vergonha de dizer que não estamos dando conta. A gente é muito silenciada, as mulheres mães são excluídas em todos os setores. Eu me vejo assim às vezes. Tenho que escolher. Eu trabalho muito, então às vezes eu tenho que escolher se eu vou deixar de dormir duas horas para poder adiantar alguns afazeres e dar atenção a Ravi. Nessas escolhas a mulher mãe acaba quase sempre se deixando para depois".

A própria experiência de vida de Juliana e de outras mães integrantes da Coletiva Pachamamá acabam inspirando mulheres que integram o percentual de 62,7% mencionado no início da reportagem. As mães que estão cansadas, exaustas, sobrecarregadas e que ao mesmo tempo que sentem a necessidade de pedir socorro, têm medo de não estarem sendo boas mães por conta disso. Por isso a jornalista ressaltou a importância de falar, confidenciar o que sente, sem receio de julgamentos.

"É muito importante que você fale. É muito importante que você diga para suas amigas, que você construa relação com outras pessoas, principalmente com outras mulheres e mulheres mães. E que você se sinta vontade de falar, porque a gente precisa dizer assim: 'Tô exausta! Eu tô cansada'. E com certeza, se for alguém que quer te dar apoio, ela vai dizer eu entendo porque aconteceu comigo. Então é muito importante, porque a gente ao menos se sente escutada e a gente sabe que não está sozinha. Isso é essencial. Por isso que essas redes de apoio são tão necessárias, além de tudo, nos dá forças para seguir em frente", disse a jornalista.

Como funciona a Coletiva Pachamamá

Coletiva Pachamamá existe desde 2017 e atualmente, em parceria com o clube de mães da comunidade São Rafael, entre os bairros do Castelo Branco e Torre, estão reativando um espaço físico que deve servir para as atividades desempenhadas pela organização. O objetivo é continuar desempenhando o trabalho que já vem sendo feito até aqui. O de garantir espaços, oportunidades, conexões, escuta e também dar orientação a essas mães acerca dos seus direitos, como o de ter um lugar seguro e de qualidade para deixar o seu filho durante o dia e, no caso de mães solo, até questões como solicitação de pensão alimentícia. Direitos que muitas mulheres acabam abrindo mão pelo simples fato de serem a todo momento cobradas e julgadas.

"Quem tem interesse de participar, de conhecer pode entrar em contato pelo Instagram que a gente tem um formulário, que é um protocolo, até para garantir a segurança interna, nossa metodologia de segurança nas redes. Após isso, a mãe vai ser adicionado no grupo e a gente pode ter esse acolhimento, essa troca. A gente está, inclusive, a partir do clube de mães, pensando em retomar as reuniões que aconteciam mensalmente e poder articular esse movimento importante para as crianças e para as mulheres mães", informou Juliana Terra.

A jornalista também ressaltou o procedimento para quem tiver interesse em apoiar o projeto: "A sociedade pode contribuir e é muito bem-vindo. A gente está fazendo tudo a partir de doações e contribuições mesmo, porque nossa sobrecarga financeira também já é muito grande. Recebemos doações através da chave pix [email protected] no nome de Karla Maria Barbosa e posteriormente divulgaremos a prestação de contas", finalizou.



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