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Que lugar é esse?

Onde quase ninguém chega, futebol permite sonhos para crianças de João Pessoa

Campinho em um dos recantos da cidade é sinônimo de esperança, mesmo com pouca estrutura e incentivo

Por Cristiano Sacramento Publicado em
Garotos sonham jogar futebol profissional, mas lutas pelo sonho transcendem os gramados nos rincões da cidade
Garotos sonham jogar futebol profissional, mas lutas pelo sonho transcendem os gramados nos rincões da cidade (Foto: Cristiano Sacramento / Portal T5)

No campinho onde grama quase não existe o retrato é de negligência. O cenário acompanha bolas e luvas castigadas. É pouco provável realizar qualquer atividade esportiva ali, sem que as marcas na roupa denunciem o terreno de areia escura. O pedaço de chão castigado, onde o sol parece ser ainda mais intenso, está distante dos olhares responsáveis para o desenvolvimento da cidade e de quem vive nela.

Em Mumbaba, o transporte coletivo apresenta as principais falhas. O de aplicativo, por exemplo, hesita conceder uma corrida. Ir a pé representa horas de caminhada partindo das regiões centrais. Mas, bom é saber que nem tudo está perdido. Pois nessa redoma, em um dos recantos de João Pessoa, na Paraíba, também tem amor em forma de gols, suor e olhos que brilham. Ali, é onde a seleção brasileira - renegada por muitos - segue como imagem e semelhança da alegria.

Nesta reportagem especial, o Portal T5 destaca a iniciativa do projeto social realizado pela Associação de Desenvolvimento Sustentável, Beneficente e Assistência Social da Paraíba (ONG ADESPB). A iniciativa propõe o esporte como base para a transformação.

Por doações e voluntariado que o esporte - encarado como um dos principais mecanismos de transformação social do Brasil - chega a cerca de 150 crianças na comunidade localizada na região do Bairro das Indústrias. Há oito meses, garotos e homens de 6 a 20 anos de idade, em situação de vulnerabilidade, podem sonhar.

João Henrique Simioni coordena os treinos de futebol realizados quatro vezes por semana. O sonho de ser jogador não o fez desistir do esporte - e nem o esporte dele - pelo que parece. Diante das dificuldades como motorista de aplicativo, reserva e entrega tempo ao próximo sem mesmo até conhecer. Assim acredita ajudar na construção de uma sociedade com bases igualitárias.

"O bairro é muito carente. Tem famílias que não têm condições de pagar trinta ou quarenta reais por mês em uma escolinha particular. Idealizamos, eu e o Marcelo, que é o outro treinador do projeto, essa iniciativa de colocar uma prática esportiva aos meninos que moram na região de forma gratuita. Começamos com quatro crianças, hoje temos 150

Para ele, é gratificante ver a evolução das crianças. “Agarrei essa oportunidade porque a minha foi encerrada cedo. Aqui ensinamos fundamentos. Nossa felicidade é ver esses jovens felizes e sonhando com uma vida melhor”, completou. Foi no Mato Grosso onde a carreira profissional dele não progrediu, como esperava.

Dentre as exigências para os meninos está a de seguir na escola com boas notas, além da presença em aulas. “Essa é uma exigência que não abrimos mão”, finalizou.

Promessas em campo

Samuel Araújo é goleiro e tem 12 anos. Já decidiu que quer ser atleta profissional como meta de vida. As luvas nas mãos expressam as dificuldades da jornada. Como ídolos estão os goleiros Thibaut Courtois, do Real Marid, e do paraibano Santos, do Flamengo.

O maior auxílio, além de vir do professor João, surge de dentro da própria casa. “Minha mãe e meu pai estão comigo. Para ter essa luva juntei dinheiro, minha mãe arrecadou na lanchonete que ela trabalha e meu pai também ajudou”, destaca.

Aqui é muito bom já que pode ajudar muitas crianças a crescer até o profissional”. Questionado sobre onde quer se ver em 10 anos, não hesitou: “Acho que eu quero estar, pelo menos, no Flamengo, ou ir adiante”, brincou.

Um dos mais bem-humorados do grupo é Alexandro de Lima, que tem 11 anos. O garoto diz que passava boa parte do dia na rua fazendo da bola sua companhia. “A gente jogava, mas não tinha alguém pra ajudar, pra dizer o que faz e o que não faz”, antecipou. “Aqui estão meus amigos". Para o futuro anseia muitos gols e uma convocação à Copa do Mundo, assim como seus ídolos: Neymar, Bruno Henrique e Gabigol. Os atletas atuam pelo PSG e Flamengo, respectivamente.

Rede de apoio

A possibilidade de virar a chave na realidade de crianças e adolescentes na região despertou a curiosidade de pequenos comerciantes da área. Esse é o caso de George Cardeal, que possui um mercadinho no bairro.

George disse que essa possibilidade de entregar sonhos aflora ainda mais a sensação de um futuro melhor. “Não tive essa oportunidade. Sabemos que o esporte ajuda muito os jovens. Estou aqui no sentido de possibilitar o crescimento de cada um”. Recentemente, o comerciante adquiriu o uniforme utilizado em dias de jogos pela região.

"Não é uma contribuição gigante, mas sinto que estou fazendo minha parte e até entusiasmando os demais comerciantes aqui do bairro”.

O projeto funciona apenas com apoio de comerciantes da região. A exceção está nos dias de jogos, que a Secretaria de Participação Popular, da Prefeitura de João Pessoa, disponibiliza o transporte.

Abraços gostosos

Dona Jacira Gomes é avó do pequeno Davi Santana, de 9 anos. Ela detalhou que durante a pandemia o neto - que ainda sente a perda da mãe ocorrida há mais cinco anos - recuou no processo de socialização. “Ele ficou muito quieto, ansioso. Quase não falava pois tinha dificuldades para interagir. Hoje, ele está se encontrando aqui. São novos amigos. Também está melhorando na questão física. Já foram seis quilos a menos", sorriu.

Dona de casa, mas experiente cozinheira, se dedica a montar o lanche dos garotos. “É um incentivo para essas crianças. Não é um banquete sempre. Mas, é um lanchinho. Hoje, também me sinto como apoiadora do projeto. Quando chega o dia do treino acordo cedinho pra fazer as coisas”, finalizou.

A cooperação também acompanha o esforço de outras mães do bairro. “Já vou ligando pras amigas e a gente se junta”, concluiu. No dia em que a esta reportagem foi realizada as crianças receberam suco, melão e biscoitos. A primeira refeição de alguns que ali estavam.

O sonho do Davi

Neto de Jacira, Davi venceu a timidez e sintetizou que o projeto preenche uma lacuna importante de tempo que havia na rotina. “Desde pequeno sempre fui apaixonado por futebol. Eu não fazia nada, só ficava dentro de casa”.

Agora, eu estudo muito e venho para o futebol. Quando crescer, quero ser um jogador de futebol que nem o Neymar”, concluiu.

Do lado de fora

Enquanto nossa reportagem coletava as informações finais, dois garotos, com os pés descalços, acompanhavam as instruções oferecidas aos que treinavam. Com a bola próxima aos pés admiravam uma chuteira às margens do campo.

Carlos Miguel, 11 anos, ficou feliz ao ser aceito no projeto naquele dia. “Sempre ficava com vontade de jogar muito futebol. Eu ia para o colégio, participava de uma banda na escola Anaíde Beiriz e depois passava o dia todo na rua brincando”, confirmou.

Na mesma linha. Matheus Soares, 13 anos, vivia sentimento parecido - mas com o retorno ao futebol. O garoto foi afastado em razão de baixa nas notas da escola. Com o boletim acima da média teve seu retorno confirmado. A única restrição evidente era o acanhamento. “Estava chateado por ter saído da escolinha. Agora, as notas estão melhores e estou de volta e feliz. Gosto de estudar geografia e aqui no projeto encontro disciplina”, encerrou.

Como participar?

A escolinha acontece de forma gratuita para jovens e crianças, na maioria das vezes em vulnerabilidade social,  a partir dos sete anos. É necessário procurar a coordenação da ADESPB e, através do João Simioni, proceder com a inscrição ou doação. O telefone para contato é o (83) 99322-9493.

Leia mais um texto da série exclusiva do Portal T5, 'Que lugar é esse?':



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