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Dia de Luta Contra Aids

Preconceito é mais danoso que o HIV, diz paraibano recém-diagnosticado

Jovem, diagnosticado com o vírus em abril de 2022, afirmou que o estigma é o desafio maior que o próprio vírus

Por Carlos Rocha Publicado em
Campanha Dezembro Vermelho começa nesta quinta (1º)
Campanha Dezembro Vermelho começa nesta quinta (1º) (Foto: Freepik/Reprodução)

A palavra "pandemia" voltou a se popularizar em um passado bem recente, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente, através do seu diretor, Tedros Adhanom, no dia 11 de março de 2020, que a Covid-19 passava a ser uma ameaça em escala global. No entanto, ao voltar cerca de quarenta anos na linha do tempo, nos deparamos com o início do que seria a pandemia mais letal do século 20.

Foi em 1981 que, nos Estados Unidos, foi diagnosticado o primeiro caso de pessoa infectada com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), causadora da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). A síndrome, a princípio, era uma condição desconhecida que afetava jovens, na maioria das vezes homens, e que foi considerada por alguns, até então, um tipo raro de pneumonia.

A partir de então infectologistas e pesquisadores se debruçaram sobre o tema e passaram a descobrir mais sobre a síndrome que passou a aterrorizar as pessoas. Tudo ficou mais marcante na mente das pessoas quando grandes personalidades, acometidas da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, ainda sem um tratamento específico, morreram. A condição passava a ser associada a uma espécie de sentença de morte.

Alguns anos mais tarde, foi instituído o Dia Mundial de Luta Contra Aids, em 27 de outubro de 1988, durante a Assembleia Geral da ONU. A Organização Mundial de Saúde instituiu o dia 1º de dezembro como data alusiva ao combate à AIDS. Com o passar do tempo, à medida em que os estudos avançam no sentido terapêutico e de percepção social sobre o tema, a data é lembrada não apenas com o objetivo de conscientizar acerca da prevenção à contaminação, mas sobre o combate ao preconceito, estigma e desinformação.

No decorrer desses mais de 40 anos de pandemia de AIDS, muito se evoluiu em relação a alternativas clínicas de combate à doença, ou seja, mecanismos para que a pessoa que vive com o HIV não desenvolva a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. No entanto, o que anda a passos de tartaruga é a conscientização de que há vida após o exame de sorologia positivo e de que o diagnóstico de HIV positivo está longe de ser uma sentença de morte.

O Portal T5 conversou com um jovem que descobriu que vive com o HIV recentemente. O rapaz teve o diagnóstico após a realização de um teste de rotina, no mês de abril de 2022, em uma das unidades de referência da capital paraibana. Ele contou que, apesar do pouco tempo, sentiu na pele o peso do estigma e que a "doença social", como ele mesmo mencionou, pode ser até mais letal que o próprio vírus.

Por não querer se identificar, o rapaz, que tem 28 anos de idade e é estudante universitário, pediu para que fosse chamado de "João". Ele afirmou que não se importaria em identificar-se, caso a sociedade fosse mais esclarecida sobre o tema. "Eu não ligaria de ser chamado pelo meu próprio nome, mas com a sociedade do jeito que está tenho medo de sofrer alguma consequência, como o desprezo e também o julgamento das pessoas que me rodeiam. Tem até uma lei agora que assegura o nosso sigilo".

A Lei que o João menciona é a 14.289/2022, sancionada recentemente, que obriga a preservação do sigilo sobre a condição de pessoas com HIV, hepatites crônicas (HBV e HCV), além de hanseníase e tuberculose. Para o autor do projeto que deu origem à lei, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), garantir o direito ao sigilo a essas pessoas é fundamental para evitar situações de constrangimento e discriminação.

De acordo com o texto da nova legislação, serviços de saúde, públicos ou privados, e as operadoras de planos de saúde estão obrigados a proteger os dados, assim como garantir o sigilo das informações que eventualmente permitam a identificação dessas condições. A obrigatoriedade de preservação do sigilo recai sobre todos os profissionais de saúde e os trabalhadores da área de saúde. Além disso, nenhum agente público ou privado pode expor essas informações a ninguém.

A nova legislação, segundo João, é muito necessária, porém, apenas a ponta do iceberg diante do estigma que existe em torno de uma pessoa que vive com o HIV. Ele contou que esse estigma é "de certa maneira estrutural" e justifica que, antes de ser diagnosticado, tinha um conhecimento limitado e preconceituoso sobre o tema.

"Assim como eu era, acredito que a grande maioria das pessoas não sabe 10% sobre o que realmente é viver com o HIV no século XXI. Muitos tratam, como eu tratava, como algo extremamente pesado, similar a uma sentença de morte. Quando recebi o teste positivo me lembro bem de ter ficado uns dois minutos em estado de transe, como se eu tivesse em outra dimensão com o impacto da notícia. Em seguida comecei a chorar. Na minha mente se passavam os meus planos, de me casar, de ter filhos, todos indo embora, como se eu estivesse condenado a não viver mais".

João contou que antes do diagnóstico venceu uma depressão e depois de descobrir o HIV tudo voltou à tona. Disse que foi invadido por um grande sentimento de não querer mais viver. Mas que um simples gesto na sala de uma assistente social o marcou muito.

"Foram tantos sentimentos ao mesmo tempo e a angústia me invadiu, como mil mãos me sufocando. Em determinado momento eu ouvi a frase - 'nada tema, vai ficar tudo bem, vamos cuidar de você' - e essas palavras vinham da assistente social, que me deu água e me abraçou. Eu senti como se a minha própria mãe me abraçasse", contou.

O jovem afirma que a família ainda não sabe sobre o seu diagnóstico e que teme sofrer o preconceito que sofreu quando se descobriu homossexual:

"É como um segundo armário. Sair ou não sair desse armário é uma questão que só você mesmo, no seu íntimo, vai saber como resolver".

O paraibano contou que encontrou na unidade de referência o apoio que mais precisava.

"A minha primeira consulta foi com o doutor Fernando Chagas, que me deu uma verdadeira aula do que é o vírus. Disse que viver com o HIV não me impede de ser pai de uma maneira saudável e sem passar o vírus para a criança. Mencionou que a única diferença a partir de então é que eu precisaria seguir o tratamento, tomando uma medicação diariamente e passando pela consulta a cada seis meses para monitorar a carga viral. Falou até mesmo sobre os meus direitos enquanto cidadão que vive com o HIV", disse.

Após a adesão ao tratamento, o rapaz disse que todo o impacto do início deixa um pouco o protagonismo e tudo volta a ser como era antes, apenas com um "ponto de atenção" que deve ser considerado. Ele relembrou que passou a trabalhar o autocuidado e todo aquele peso do diagnóstico vai ficando pelo caminho.

"Com o passar dos dias, após o início do tratamento, o que notei é que o HIV é um gigante enorme quando você recebe o diagnóstico. Conforme você vai fazendo o tratamento de maneira correta, esse gigante vai perdendo tamanho e força, até se tornar apenas um pequeno ponto de atenção. Você vive sua vida tranquilamente, e a sua condição, a qual você passava horas e horas pensando, você simplesmente esquece e apenas vive, com os mesmos planos e projetos de antes", afirmou.

Uma das coisas que João destacou foi como a sua visão mudou a partir do diagnóstico. Ele disse que se todas as pessoas tivessem o correto conhecimento acerca do que é viver com o HIV, sem preconceitos, desinformação ou estigmas, não haveria AIDS.

"Antes do diagnóstico, se uma pessoa que vive com o vírus, apesar de me despertar interesse, me convidasse para sair eu provavelmente responderia que não. Em contrapartida, se uma pessoa qualquer, que também me despertasse o interesse, me convidasse para sair sem tocar no assunto de HIV, eu provavelmente iria. Mas se a gente pensar um pouco, seria mais seguro sair com a primeira pessoa, já que ela está se cuidando, a segunda seria como um tiro no escuro, e é nessa que muita gente se infecta, até porque o vírus não tem cara", afirmou.

A proporção de pessoas que convivem com o vírus e não sabem é muito maior do que pessoas que sabem. A gerente operacional de condições crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) da Secretaria de Estado da Saúde, Ivoneide Lucena, afirmou que há uma estimativa de que para cada caso notificado, dez outros casos não são.

Em 2021, na Paraíba, 660 pessoas foram diagnosticadas com HIV e Aids. Por isso, a estimativa é que cerca de 6 mil pessoas precisam ser testadas para saber do diagnóstico. Um dos principais agravantes, em relação às pessoas que não sabem que têm HIV, é que elas podem acabar transmitindo.

Em 2022 o número de diagnósticos foi superado. De acordo com informações do infectologista Fernando Chagas, diretor do Complexo Hospitalar Clementino Fraga, referência no tratamento de doenças infectocontagiosas na Paraíba, apenas em 2022, houve 826 novos diagnósticos de HIV no estado. Somente na unidade hospitalar de referência foram 537 testes positivos de HIV.

Chagas mencionou que a testagem é muito importante, justamente para identificar o vírus nessas pessoas que estão infectadas e não sabem, para que o tratamento seja iniciado o mais rápido possível. De acordo com ele, estima-se que há cerca de 250 mil pessoas vivendo com HIV sem saber no país.

"Nós temos o tratamento sim. As pessoas positivas para o vírus se tratam e nem sequer transmitem quando estão tratando. O problema é que nós temos mais de 250 mil pessoas no país que nem sequer sabem que estão com vírus, e o vírus vai destruindo a imunidade e se não tratado pode matar de verdade", disse.

Ainda de acordo com Fernando Chagas, de janeiro até outubro de 2022, foram registradas 199 mortes em decorrência da AIDS na Paraíba. Para fazer com que esse quadro mude, ações direcionadas como o dezembro vermelho são realizadas com o objetivo de conscientizar a população acerca da importância do teste e de fazê-los saber que, se caso houver diagnóstico positivo, há vida após o HIV, conforme mencionou João.

"Esse será meu primeiro dezembro vermelho pós diagnóstico e a visão da gente em relação à importância do diagnóstico precoce muda muito, e o que estiver ao meu alcance para fazer com que as pessoas se cuidem e se testem, farei. Muitos não fazem o teste com medo de dar positivo, mas a gente precisa entender que o problema não é ter HIV, o problema é ter o HIV e não saber. Hoje sou exemplo vivo, e bem vivo, de que existe vida após o diagnóstico positivo de HIV e que se todo mundo se cuidar, a coletividade segue vivendo com esperança e, sobretudo, com saúde", finalizou.

Em João Pessoa existem alguns pólos que são referência para a testagem e aconselhamento acerca do HIV/AIDS. Nesses locais são oferecidos serviços de testagem, além de orientações acerca das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).

Onde realizar o teste rápido:

  • CTA - Centro de Testagem e Aconselhamento SAE - Serviço de Assistência Especializada em HIV/AIDS - R. Alberto de Brito, 411 - Jaguaribe (83) 3218-9217
  • Unidades de Saúde da Família, nos bairros (USFs)
  • Ambulatório do Complexo de Doenças Infecto Contagiosas Clementino Fraga - R. Estér Borges Bastos, s/n - Jaguaribe (83) 3612-5050

Fotos:Imagem de Freepik Imagem de jcomp Imagem de master1305



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