Festa de Iemanjá une mãe de santo e pastor evangélico na Paraíba
Portal T5 ouviu a história sobre a comunhão de forças de duas religiões na cidade de Cabedelo
Para quem acredita que a matemática entre uma mãe de santo e um pastor evangélico resultaria em divisão, dois personagens da cidade de Cabedelo contrariam essa suposição. A soma de respeito, busca por igualdade e dignidade faz a diferença. A celebração do Dia de Iemanjá, celebrado nesta quinta-feira (8), na Paraíba, é também um ato de resistência incentivado pela junção de crenças que entendem o verdadeiro sentido do que é sagrado.
Cabedelo, no Litoral Norte do estado, ficou sem os festejos à Rainha do Mar entre 2008 e 2019. A intolerância religiosa tomou conta de um espaço que era reservado tão somente para que as pessoas pudessem expressar a gratidão em honra à santa, como em qualquer outra religião. Essa tradição, que tem origem africana, leva os fiéis a se vestir de branco, ir à praia e depositar oferendas como espelhos, jóias, comidas, perfumes e outros objetos.
Com medo dos ataques que sempre aconteciam, os “filhos” de Iemanjá passaram fazer as celebrações internamente, em seus terreiros. A movimentação — ou a falta dela — chamou a atenção do pastor evangélico Willams Silva, da Igreja Metropolitana de Cabedelo. Na comunidade de religião protestante, a inclusão e a comunhão entre todas as tribos são pregadas.
“Minha igreja trabalha fortemente os Direitos Humanos. Observamos [a falta da celebração de Iemanjá] e fizemos junção de dados em Cabedelo. Identificamos que há mais 10 anos a celebração do dia de Iemanjá não acontecia em Cabedelo. Descobrimos que era por casos de intolerância religiosa depois de ouvirmos os membros de mais 16 terreiros”
Nessa luta, ele deu as mãos a Doné Graça de Yemanjá Ogunté, ou Mãe Graça, do candomblé, que ganhou força para reerguer a solenidade. Os 16 terreiros da cidade foram visitados e abastecidos de coragem para retomar as honrarias à Rainha do Mar. Com respaldo da prefeitura de Cabedelo, a tradição voltou a acontecer no ano de 2019, mesmo que nos anos seguintes os órgãos públicos e de trânsito tenham deixado a desejar no suporte de segurança.
Para Mãe Graça o apoio do pastor foi fundamental.
“Ele tem incentivado demais, como amigo, como religioso e como uma pessoa firme. Nós temos corrido juntos atrás dos umbandistas, candomblecistas. E isso, para mim, significa resistência. O que nos incentiva é a fé. Todas essas religiões juntas se tornam uma corrente que não se quebra, que fica firme e forte”
“Irmãos de alma”
Willams é pastor há quase nove anos e, desde que passou a ajudar no processo de retomada dos festejos à Iemanjá, faz parte da celebração do dia 8 de dezembro. Em meio à cooperação, ele exalta o elo com a Mãe Graça, a quem nutre admiração e luta junto contra a intolerância religiosa.
“Nos tornamos irmãos de alma. Nós entendemos que respeitamos o sagrado, que é inviolável. Cada um tem o direito de crer no sagrado como bem entender. Nós compartilhamos isso em nossas comunidades. Isso nos deu uma afinidade de estarmos juntos no dia a dia e na militância contra a intolerância religiosa”, disse.
Repleta de força e convicção da missão que exerce, a Mãe Graça expressa a imensidão da simbologia de Iemanjá para a cidade de Cabedelo.
“Aqueles que têm preconceito vão nos ver todos os anos passando na frente deles com a mensagem que somos pessoas de fé, pedindo respeito. Cabedelo é uma ilha. Uma cidade portuária, repleta e rodeada de mar, onde quem manda é Iemanjá"
Intolerância religiosa na Paraíba
De acordo com a Polícia Civil, a intolerância religiosa foi alvo de denúncia em 10 casos, na Paraíba, em 2022. O detalhe é que este número dá a entender que o pastor Willams, citado nesta reportagem, é uma exceção entre os protestantes, a quem a polícia aponta como culpado recorrente a esse tipo de ato.
O racismo religioso pode ser identificado quando alguém se sente discriminado por estar usando qualquer símbolo da sua religião, se foi impedida de acessar um serviço público ou privado e por estar caracterizada com algo que remeta à sua fé.
Como denunciar?
A Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Homofóbicos, Racismo e Intolerância Religiosa atende todos os dias através do número (83) 3218-6762 e fica localizada na Rua Francisco Moura, número 34, no centro de João Pessoa.
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