Relato | A alegria de um Natal em casa
Repórter do Portal T5 descreve o milagre de Natal na vida de uma criança em tratamento contra um câncer, em João Pessoa
“Alegria”. Quando uma criança, livre das máculas da vida adulta, afirma esse sentimento, é porque, nela, naquele instante, habita a sensação mais genuína de ser criança. E, no Natal, é quase unânime que as pessoas fechem os olhos e façam pedidos perto daquela pureza que moldou os primeiros anos de vida. É o refúgio maior de uma existência que, convenhamos, precisa de recomeços.
Eu visitei o Hospital Napoleão Laureano, em João Pessoa, que é especialista no tratamento para o câncer. Na porta da ala infantil, muitas crianças esperavam atendimento. Ao lado dos pais, algumas brincavam, outras dormiam em poltronas e havia quem preferisse ficar no celular. Muitas delas estavam ‘de mala e cuia’. É que, após a quimioterapia, elas passam alguns dias em observação.
Um pouco distante da porta da recepção, onde eu estava, percebi que havia um menino usando uma touca, uma máscara e com todos os trejeitos de criança. Sentei ao lado dele após alguns minutos, quando alguém se aproximou da mãe dele, que ouviu muito atenciosa: “Nossa, que felicidade que fiquei por saber que vocês vão passar o Natal em casa”, disse a mulher, sorridente.
Muitas daquelas famílias não terão a mesma sorte, mas a felicidade e o alívio de Samuel Ítalo, 11 anos, em passar os festejos natalinos perto de quem o ama chegou também para os que também torcem por ele com a mesma emoção. Ele tinha o olhar puro, de quem ainda está entendendo o que é a vida, mas que carrega marcas de quem muito já lutou por ela. E que está vencendo o Tumor de Wilms, um câncer raro e maligno nos rins, com a bravura de um guerreiro. O triunfo, até aqui, tem sido dele, que tem medos, que chora, mas que é criança e tem mania de viver.
UM MILAGRE DE NATAL
Pedi licença a Samuel e conversei com a mãe dele, Eloísa Fernanda. Enquanto isso, ele ficou jogando no celular. Vez ou outra, o menino olhava para nós dois, tentando entender o que falávamos. Ele via sua protetora descrevendo a rotina para acompanhá-lo em todos os tratamentos de quimioterapia, saindo de Guarabira até a capital.
O cenário na Páscoa, por exemplo, era totalmente diferente ao de hoje. Eloísa precisou cuidá-lo quando ele estava enfermo, após fazer duas cirurgias delicadas. O tumor foi descoberto em exames feitos após ele sentir fortes dores em seu aniversário de 10 anos, no dia 7 de dezembro de 2021. A partir de então, uma batalha diária foi travada na rotina de Samuel e da família.
“Meu filho praticamente era um caso sem perspectiva de sobrevivência, os médicos não chegaram a falar exatamente, mas não tinham mais o que fazer”
Na segunda cirurgia, Eloísa contou que chegou a entregar Samuel a Deus, com medo do que poderia acontecer. “Mamãe, eu não quero!”, dizia o garoto, com medo de passar novamente pelo sofrimento de um procedimento cirúrgico para lá de invasivo. Neste período, por estar debilitado, ele se alimentava somente por uma bolsa parenteral. Mas o pior passou, e ele, vitorioso, segue o tratamento cada vez mais forte.
“Meu filho renasceu. Minha família ficava muito triste e se perguntava o porquê que isso estava acontecendo. E eu dizia que eram os dias mais felizes da minha vida, porque eu podia estar chorando com eles, mas eu estava sorrindo porque estava com meu filho. Aqui a gente encontra também famílias e dividimos um barco, uma cruz. Eu nunca vou esquecer”
“O CORAÇÃO ESTÁ TRANQUILO”
Samuel ficou novamente ao meu lado e pude conversar com ele. Com a voz mansa e doce, me pediu para não fazer perguntas difíceis. Eu ri do pedido dele, e ele riu de mim. Por um instante, até parecíamos amigos. O garoto me ouvia falar com o olhar fixo em algum ponto da recepção, mas respondia olhando fixamente em meus olhos, com a verdade que a gente só encontra no coração de uma criança.
“Eu gosto de assistir, brincar e de passear. Meu maior sonho é ser veterinário. E eu me sinto muito feliz, porque eu vou passar o Natal com a minha família, onde todo mundo se reúne”, disse Samuel, de uma vez.
Nesta semana, Samuel não vai precisar passar por uma nova sessão de quimioterapia. Isso vai permiti-lô passar o Natal com a família em casa. A estabilidade do tratamento, feito com disciplina e assistência médica e afetiva, tem transformado um cenário de dor num momento de cada vez mais esperança para o seu futuro.
“O coração está tranquilo. Mesmo que eu passasse no hospital, eu passaria feliz pelo meu filho estar vivo. Mas, neste ano, nossa família vai se reaproximar mais”
Antes de encerrar a longa conversa com Eloísa e Samuel, perguntei ao garoto o que ele esperava para poder comemorar o Natal em casa, perto da família e dos amigos. Ele parou, pensou, não respondeu. Pedi para que ele respondesse o que viesse no coração. O menino olhou para mim e, sorrindo com os olhos, disse: “ALEGRIA!”
E aqui eu deixo um lembrete (repetitivo) de Natal: quando uma criança, livre das máculas da vida adulta, afirma esse sentimento, é porque, nela, naquele instante, habita a sensação mais genuína de ser criança. Que a oportunidade de um Natal alegre chegue para todos.
Veja mais: