Além da medicina: tratamento à base de cannabis cura preconceitos
Ao T5, paciente e membro da Abrace falam sobre tratamentos com Canabidiol
No início deste ano, um acidente de trânsito em João Pessoa mudou a vida de Daniel Lima, de 38 anos. Mesmo sem deixar lesões físicas graves, o episódio resultou em um quadro de ansiedade, transtorno de pânico e início de depressão. Essa condição o levou a começar um tratamento à base de Canabidiol (CBD), uma substância extraída da Cannabis (maconha).
Desde que passou a usar o CBD, o policial penal contou que foi revertendo a situação. Aliado ao acompanhamento psicológico, o potencial terapêutico da substância refletiu, entre outros benefícios, na qualidade do sono e controle dos pensamentos ansiosos.
“Na primeira semana do tratamento, eu já senti muita diferença. E é um processo gradativo. Hoje, tenho um sono tranquilo além de outros benefícios, porque é um óleo que tem substâncias anti-inflamatórias, de regeneração muscular. Para mim, faz muito bem”
A condição de Daniel, porém, não seria completada com as novas regras para tratamentos à base de Canabidiol. Isso porque, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), revogada após críticas de entidades, médicos e membros da sociedade civil, limitava a prescrição do CBD apenas para dois tipos de epilepsia ou esclerose tuberosa.
“Com as novas limitações e o fim do tratamento, provavelmente, eu precisaria tomar algum medicamento químico, o que eu não gostaria”, disse Daniel.
Após revogar a norma, o CFM abriu uma consulta pública para que qualquer pessoa possa opinar sobre cada um dos artigos da resolução. Esse processo segue até o próximo dia 23 de dezembro. Segundo o Conselho Federal, os dados de quem participar da consulta vão ficar sob sigilo.
CULTIVANDO DIÁLOGO
A abertura de uma consulta pública sobre o uso da Cannabis é uma ferramenta importante. Mas especialistas defendem que ainda é preciso avançar, dando mais espaço para a temática no debate público.
A Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), localizada em João Pessoa, acompanha as movimentações sobre o uso medicinal da Cannabis. Mas, para o fundador e diretor-executivo da Abrace, Cassiano Gomes, a temática não deve avançar com a consulta pública. “Eu acredito que nada vai mudar. Por isso, é necessário que a gente continue o debate, que mostre à sociedade a importância do uso medicinal da Cannabis", disse.
Afetado diretamente pelas discussões sobre tratamentos à base de Canabidiol, Daniel Lima também acredita que é preciso ampliar o debate.
“Ainda existe muito preconceito porque como é um óleo extraído da planta maconha. Muita gente acha que as pessoas que fazem uso do óleo ficam alucinadas, drogadas. Mas não é uma droga que vai entorpecer”
Para Cassiano, o tabu vem por parte de autoridades conservadoras que veem no tratamento com Cannabis "uma ameaça aos laboratórios, indústrias e, inclusive, à classe médica. Porque agora, definitivamente, existe um medicamento eficaz".
"A gente sabe que a Cannabis é um grande divisor de água na vida de muitos pacientes. E os testemunhos bastam para que a gente veja que não estamos falando de se drogar. Já é bem nítido que estamos lutando pelo uso medicinal. E esse medicamento tem resultados incríveis. São centenas e centenas de testemunhos e, para mim, isso basta”
ABRACE
Em João Pessoa, a Abrace Esperança ajuda famílias com doenças raras no tratamento com a Cannabis. A associação, sem fins lucrativos, foi autorizada desde 2017 pela Justiça brasileira a cultivar e fornecer derivados da Cannabis sativa aos associados em forma de óleos e pomadas.
“A Abrace, hoje,carrega 37 mil pacientes, testemunhos, vidas. Somos a maior associação do Brasil. Então, a gente carrega a responsabilidade de conduzir as outras associações", pontuou o fundador da Abrace. "Tentamos conseguir espaço no Congresso para garantir um acesso maior do uso medicinal da Cannabis no Brasil”.