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Centro Socioeducativo pode ser interditado após morte de adolescentes, em JP

Dois reeducandos morreram em um intervalo de pouco mais de quatro meses

Por Carlos Rocha Publicado em
Viaturas do Samu e Corpo de Bombeiros foram acionadas
Viaturas do Samu e Corpo de Bombeiros foram acionadas (Foto: Vanessa Braz/RTC)

O Ministério Público da Paraíba (MPPB) ofereceu representação à 2ª Vara da Infância e Juventude de João Pessoa para apuração de irregularidades no Centro Socioeducativo Edson Mota (CSE), localizado no bairro de Mangabeira. Nela, a 35ª promotora de Justiça de João Pessoa, Catarina Gaudêncio, requereu a interdição da unidade com pedido de tutela antecipada de urgência, a fim de compelir a Fundação de Desenvolvimento da Criança e do Adolescente (Fundac) a sanar, em caráter definitivo, as irregularidades apontadas, sob pena de fechamento da unidade de internação, bem como a aplicação de sanções de ordem civil e administrativa às pessoas físicas responsáveis.

Conforme explicou a promotora de Justiça, na referida unidade socioeducativa ocorrem graves violações de direitos humanos. Em pouco mais de quatro meses, dois adolescentes morreram, o primeiro em meio a uma rebelião foi assassinado com uma tampa de esgoto de concreto e o segundo, fruto de uma descarga elétrica, o que, direta ou indiretamente aconteceu em decorrência de falhas estruturais e de segurança no local, questões que já foram objetos de ação do MPPB transitada em julgado desde 2018, condenando o Estado da Paraíba e a Fundac a providenciarem a reforma na entidade. “A representação pela interdição foi oferecida em razão do descumprimento da decisão judicial e visa salvaguardar a vida e a integridade física dos socioeducandos e dos funcionários da unidade”, destacou.

A representação é um desdobramento do inquérito civil 002.2021.042964 que foi instaurado para apurar os fatos que levaram à morte de um socioeducando, no último dia 12 deste mês, no interior do CSE. Antes disso, já estavam em tramitação na Promotoria os procedimentos administrativos 002.2020.006087 e 002.2018.521320. O primeiro tem por objeto acompanhar a solicitação de perícia técnica do Corpo de Bombeiros e da Vigilância Sanitária nas unidades de internação de João Pessoa (CEA, CEJ, CSE e Casa Educativa) e na unidade de semiliberdade e o segundo, acompanhar o cumprimento da recomendação que trata da inscrição dos programas de atendimento socioeducativo perante os conselhos municipal e estadual de direitos da criança e do adolescente.

A promotora de Justiça também destacou que as unidades socioeducativas vêm sendo, frequentemente, fiscalizadas pelo MPPB, e o que se deduz dos procedimentos instaurados e das inspeções realizadas in loco e virtualmente (esta, em decorrência da pandemia do covid 19) é que está havendo uma grave violação aos direitos fundamentais e às obrigações elencadas no ECA e na Lei 12.594/2012.

Violação de direitos humanos

Nos autos, a Promotoria de Justiça acostou fotografias que comprovam a precariedade das instalações físicas e a inexistência de condições de habitabilidade, higiene e salubridade no Centro Socioeducativo Edson Mota. “Os adolescentes, que a sociedade e o Estado pretendem ver ressocializados e aptos ao convívio em sociedade, cumprem medida num local com péssimas instalações. A unidade está suja, a pintura desgastada, as paredes têm vazamentos e mofo por todo lado. O lugar que chamam de ‘coração da unidade’ mais parece um terreno baldio, cheio de mato e lixo, o que só contribui para a transmissão de doenças como dengue, chicungunha e zyca. As bocas de esgoto instaladas em locais acessíveis aos adolescentes e cujas tampas foram utilizadas, por duas vezes, para ceifar a vida de socioeducandos, em rebeliões, hoje se encontram destampadas, com esgoto a céu aberto, acumulando lixo”, exemplificou.

Nas inspeções, foi constatado que os socioeducandos dormem, alimentam-se e fazem suas necessidades fisiológicas no mesmo ambiente, sem qualquer tipo de separação, improvisando cortinas, com os lençóis que usam para dormir, na tentativa de terem o mínimo de privacidade na hora de urinar e evacuar.

Rede elétrica

A unidade também apresenta um problema grave em relação à rede e instalações elétricas. Como o projeto elétrico da unidade não previu a instalação de tomadas no interior dos quartos dos socioeducandos, todos os equipamentos eletrônicos são ligados em extensões e fios em precário estado de conservação, em tomadas que ficam fora das celas, o que resulta em uma enorme quantidade de fios enrolados e pendurados nas grades de ferro.

A promotora de Justiça enfatizou as inúmeras tentativas extrajudiciais do MPPB para resolver o problema. “Infelizmente, essa realidade não é atual e apesar das incontáveis tentativas extrajudiciais e judiciais desse órgão ministerial no sentido de estimular e cobrar da direção da unidade e, principalmente da Fundac e do Governo do Estado a assunção dos deveres que lhes são outorgados enquanto órgãos estatais responsáveis pela gerência do programa socioeducativo, estes continuam se mostrando ineficientes e omissos no dever de oferecer estrutura física de acordo com as normas de referência do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) para execução da medida socioeducativa de internação, em flagrante e reiterada violação às obrigações constantes no ECA”, lamentou.

Histórico

Em razão das fiscalizações realizadas pelo MPPB, em que foram constatadas graves violações de direitos humanos ocorridas nas unidades de internação, e de denúncias realizadas pela sociedade civil, o MPPB ajuizou, em 2012, a ação civil pública 0063537-70.2012.815.2001 que foi julgada procedente em junho de 2015, condenando o Governo do Estado da Paraíba e a Fundac, entidade pública responsável pela gestão das unidades de internação e semiliberdade da capital, entre outras coisas, à obrigação de fazer consistente em “reformar e construir unidades para o cumprimento de medidas socioeducativas de internação e semiliberdade, de acordo com os parâmetros do ECA e do Sinase”.

A decisão judicial transitou em julgado em junho de 2018 e, desde então, o MPPB tem buscado, incansavelmente, obter o efetivo cumprimento da sentença. No último mês de julho, a Promotoria de Justiça requereu à 1ª Vara da Fazenda Pública a imposição de multa diária pelo descumprimento da sentença transitada em julgado, bem como o sequestro do valor referente à multa mensal cominada na sentença condenatória, a ser revertida para o Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente.



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