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Penetração forçada: se uma mulher obriga um homem a fazer sexo, isso é estupro?

A autora de um estudo sobre o tema defende que a interpretação legal de estupro não deve excluir a possibilidade de que mulheres cometam esse crime

Por Redação T5 Publicado em
BLOGUEIRA SEXO CELULAR

Atenção: esta reportagem contém relatos que podem ser considerados perturbadores por alguns leitores.

Quando um homem faz sexo com uma mulher sem seu consentimento, isso é estupro. Mas e se uma mulher obriga um homem a fazer sexo com ela?

As leis sobre o tema variam de país para país. Enquanto isso não é considerado estupro pela lei da Inglaterra e do País de Gales, sua definição legal foi alterada no Brasil em 2009.

Em vez de dizer que se trata de "constranger mulher", passou a estabelecer que o estupro significa "constranger alguém", mediante violência ou grave ameaça, a fazer sexo ou praticar ou permitir que se pratique com essa pessoa um ato libidinoso.

A autora de um estudo sobre o tema defende que a interpretação legal de estupro não deve excluir a possibilidade de que mulheres cometam esse crime contra homens - ainda que esses casos sejam bem menos frequentes do que a situação inversa, de acordo com estatísticas oficiais de diferentes países.

Siobhan Weare, da faculdade de Direito da Universidade de Lancaster, fez a primeira pesquisa sobre penetração forçada no Reino Unido entre 2016 e 2017, reunindo relatos de mais de 200 homens por meio de uma pesquisa online.

Seu mais recente estudo, publicado nesta semana - baseado em entrevistas individuais com 30 homens entre maio de 2018 e julho de 2019 - explora em mais detalhes o contexto em que ocorre a penetração forçada, suas consequências e a resposta da Justiça.

Os participantes da pesquisa nesta reportagem tiveram seus nomes alterados para preservar suas identidades.

'Não havia nada que eu pudesse fazer'

John diz que o primeiro sinal de que algo estava errado foi quando sua parceira começou a se automutilar. Depois de um incidente particularmente assustador, ele a levou para o pronto-socorro. O casal passou então horas discutindo possíveis causas psicológicas para seu comportamento.

Cerca de seis meses depois, em vez de se automutilar, ela passou a agredir John. "Eu estava sentado na sala. Ela veio da cozinha, me deu um soco forte no nariz e saiu dando risada", diz ele. "A violência começou a ocorrer com bastante regularidade."

Ela buscou ajuda médica, diz John. Recebeu aconselhamento e foi encaminhada a um psicólogo, mas não foi à consulta.

Um dia, chegou em casa do trabalho "e exigiu fazer sexo", diz ele. "Ela era violenta, e chegou ao ponto de eu temer o momento em que ela voltava do trabalho."

Em certa ocasião, John acordou e descobriu que sua parceira havia algemado seu braço direito ao estrado de metal da cama. Então, ela bateu em sua cabeça com uma caixa de som, amarrou seu outro braço com uma corda e tentou forçá-lo a fazer sexo.

Com medo e dor, John foi incapaz de cumprir a exigência. Então, ela o espancou novamente e o deixou acorrentado por meia hora, antes de libertá-lo. Depois, ela se recusou a falar sobre o que havia acontecido.

Não muito depois, sua parceira engravidou, e a violência diminuiu. Mas, poucos meses depois do nascimento do bebê, John acordou novamente uma noite e descobriu que estava sendo algemado à cama.

Então, diz ele, ela o obrigou a engolir um comprimido de Viagra e o amordaçou. "Não havia nada que eu pudesse fazer", afirma John.

"Mais tarde, eu fiquei sentado sob o chuveiro não sei por quanto tempo. Quando eu finalmente desci, a primeira coisa que ela me disse foi: 'O que vamos jantar?'"

Quando John tentou contar às pessoas sobre isso, ele diz que muitas vezes não acreditaram nele. "Fui questionado por que não saí de casa. Bem, era a minha casa, que eu comprei para meus filhos. E havia o lado financeiro também. Eu estava preso no relacionamento financeiramente", diz ele.

"Eu ainda ouço bastante: 'Por que você não bateu nela de volta?' É bem mais fácil falar isso do que fazer. Eu gostaria de ter escapado daquela situação bem antes."

'Como um homem pode ser estuprado?'

Aspectos da história de John são refletidos nas experiências de alguns dos outros homens que Weare entrevistou.

Uma de suas descobertas é que quem força uma penetração é frequentemente uma parceira ou ex-parceira da vítima (sua pesquisa foca apenas em penetração forçada envolvendo homens e mulheres).

A experiência é muitas vezes um elemento de um padrão mais amplo de abuso doméstico. A descrença diante dos relatos também é mencionada por outros entrevistados. "Você deve ter gostado ou teria falado sobre isso antes", disse um homem sobre o que ouviu de um policial.

Outro participante disse: "Ficamos envergonhados de falar sobre isso e, quando falamos, não acreditam em nós, porque somos homens. 'Como um homem pode ser estuprado? Olhe para ele, é homem'."

Weare diz ser comum esse sentimento de vergonha ao relatar experiências de penetração forçada. Eles chegam a denunciar o abuso doméstico sem mencionar os episódios de estupro. O impacto na saúde mental pode ser grave, incluindo estresse pós-traumático, pensamentos suicidas e disfunção sexual.

Alguns homens relatam ter sido alvo de abusos repetidamente. Alguns foram vítimas na infância e sofreram vários tipos de violência sexual por diferentes pessoas, inclusive homens. E muitos tinham percepções negativas da polícia, da Justiça criminal e da lei.

Um mito que a pesquisa de Weare expõe é que a penetração forçada é impossível porque os homens são fisicamente mais fortes que as mulheres. Outra é que os homens consideram todas as oportunidades sexuais com mulheres como positivas.

Um terceiro mito é que, se os homens têm uma ereção, precisam de sexo. Weare explica que "uma ereção é uma resposta puramente fisiológica a um estímulo". "Os homens podem ter e sustentar uma ereção, mesmo se estão com medo, raiva, medo etc", diz ela.

"Há pesquisas que mostram que as mulheres podem ter uma resposta sexual quando são estupradas (ter um orgasmo, por exemplo), porque seu corpo está respondendo fisiologicamente. Esse é um problema tanto para vítimas masculinas quanto femininas que não é discutido o suficiente, mas há evidências claras disso."

'Pensam que isso é uma fantasia de todo homem, mas não é assim'

Vários participantes do estudo de Weare de 2017 relataram experiências de penetração forçada depois de ficarem extremamente bêbados ou drogados e incapazes de impedir o que estava acontecendo.

Um dos entrevistados para o novo estudo descreve ter ido para casa com uma mulher depois de sair à noite para ir a uma boate e desmaiar após ter sido recebido o que suspeita ser uma droga de estupro. Ele diz que foi forçado a fazer sexo.

Outro descreve ter sido coagido a fazer sexo enquanto trabalhava em um acampamento de férias durante o verão, quando era estudante. Uma colega descobriu uma carta que ele havia escrito para um namorado e ameaçou tirá-lo do armário, a menos que ele transasse com ela.

Ela achou que, se ele fizesse sexo com uma mulher, "isso transformaria sua vida e o tornaria heterossexual". Como não tinha revelado ser gay para amigos, familiares ou colegas de trabalho, ele sentiu que não tinha escolha a não ser cumprir a exigência.

Weare afirma que a maioria dos participantes do seu estudo mais recente considerou suas experiências de penetração forçada como "estupro" e que alguns ficaram frustrados por isso não ser considerado como tal segundo a lei da Inglaterra e do País de Gales ou pelo fato de que isso provavelmenteb não seria visto como estupro pela sociedade britânica em geral.

"Falar que uma ex-parceira costumava ficar bêbada e te forçar a fazer sexo, te estuprar basicamente, é a fantasia da maioria dos caras, não?", disse um dos participantes.

"No bar, você sabe, ela fica um pouco bêbada, um pouco brincalhona, e alguém pode pensar 'Ah, isso seria fantástico! Eu adoraria!' Não, você realmente não adoraria. Não é do jeito que se pensa que é."

Por Katie Silver - BBC News



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