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Músico brasileiro radicado nos EUA faz obra inspirada em imigrantes

O ano de 2018 foi determinante na vida do músico

Por Redação T5 Publicado em
Felipesalles

O ano de 2018 foi determinante na vida do músico paulistano Felipe Salles. Ele terminava o projeto "Lullaby", composto a partir de canções de ninar de diferentes culturas e, ao mesmo tempo, pensava sobre sua própria identidade, ao notar que, a partir daquele momento, havia vivido mais tempo nos Estados Unidos do que em seu país natal. À questão pessoal se somou o sentimento de impotência perante a atual política migratória americana.

No verão, Salles faz de bicicleta o trajeto de 16 quilômetros entre sua casa e a Universidade de Massachusetts Amherst, onde dá aulas de jazz e estudos musicais afro-americanos. Num desses percursos, ele se lembrou de sua amiga Tereza Lee. Imediatamente, sentiu que podia transformar a frustração em potência criativa. Nascida no Brasil, Lee é filha de sul-coreanos que foram para os EUA quando ela era criança. Pianista em grande parte autodidata, ela tocou o "Concerto para Piano" de Tchaikovsky com a Sinfônica de Chicago aos 16 anos. Estimulada a se candidatar à faculdade, se deparou com a questão de estar no país ilegalmente.

Ajudada pelos professores de música, procurou o senador democrata Dick Durbin, que acabou por redigir o Dream Act, proposta legislativa que impediria a deportação de jovens que foram levados aos EUA ainda crianças. A lei nunca chegou a ser aprovada, mas seus beneficiários acabaram conhecidos como "dreamers", ou sonhadores. Felipe Salles iniciou os estudos musicais aprendendo saxofone com Roberto Sion.

Em 1995, depois de se formar em música popular na Unicamp, foi aceito no mestrado em jazz do Conservatório de New England, em Boston. Situação bastante diferente, portanto, das dramáticas histórias de imigrantes que tentam cruzar a fronteira dos EUA em condições precárias. "Imigrante é imigrante", ele contesta. "É uma pessoa que vem de outro lugar, assimila a cultura e constrói uma vida dentro de uma nova sociedade. Não importa tanto se as pessoas vieram com ou sem documentos, mas sim o fato de que buscam novas oportunidades, uma vida melhor. Me vejo como uma pessoa privilegiada, mas sou um imigrante como qualquer outro."

Depois de se formar, ele seguiu trabalhando com um visto de artista, foi para Nova York e, em 2003, iniciou um doutorado na Escola de Música de Manhattan. Ele se casou com a violinista finlandesa Laura Arpiainen, teve um filho e, em 2010, ingressou na Universidade de Massachusetts. Salles diz que o jazz sempre foi sua paixão musical e o que o motivou a ir até os EUA. Já colaborou com artistas reconhecidos como Randy Brecker, David Liebman e Lionel Loueke, além dos brasileiros Chico Pinheiro, Jovino Santos Neto, Maucha Adnet e Luciana Souza.

Ainda lidera dois conjuntos que levam seu nome. Ao mesmo tempo, sempre gostou de estudar e viu na carreira acadêmica uma forma de se manter produtivo, ensinando e desenvolvendo pesquisas na área de composição e performance. Pelo menos desde 2005, Felipe Salles tem conquistado importantes bolsas de pesquisa, algumas bastante concorridas. Nada tão ambicioso, no entanto, como a bolsa Guggenheim, voltada às artes em geral e concedida desde 1925 pela Fundação Memorial John Simon Guggenheim.

Das cerca de 3.000 propostas anuais, pouco menos de 200 são concedidas. "Ganhar essa bolsa, dada a nomes como Aaron Copland e Charles Mingus, era quase um sonho. Para mim foi um choque, como se houvesse ganho na loteria. Isso desencadeou um processo de composição intensíssimo, que durou um ano inteiro." É o depoimento de Tereza Lee que abre a peça multimídia "The New Immigrant Experience", projeto que conquistou os jurados do Guggenheim. "Meus pais são da Coreia, eu nasci no Brasil e cresci nos EUA. Tenho que lidar a todo momento com minha identidade: sou coreana, sou brasileira, sou americana? Não sei, não consigo descobrir. Chego à conclusão de que sou uma pessoa do mundo, e sou um ser humano", ela diz a certa altura. Música ao vivo, com os 18 músicos do The Felipe Salles' Interconnections Ensemble, e depoimentos em vídeo de nove "dreamers" compõem a obra.

As entrevistas se desdobram em 36 clipes de vídeo soltos em momentos específicos da música. "Fiz 12 entrevistas, escolhi nove. Cada uma delas gerou um movimento da composição, mais a introdução e a coda. Fiz uma edição básica com os clipes que achava importantes para contar uma história. Esse vídeo também foi a base para o processo de composição", revela. "Por exemplo, uma parte das melodias deriva das cadências das falas de cada pessoa, do ritmo presente nelas.

Outra fonte foram palavras-chave transformadas em motivos melódicos de um tema geral, recorrente entre os movimentos, o que deu unidade à obra." De fato, as falas, em vídeo, viram parte constituinte da música na maior parte do tempo. Se a instrumentação -com sopros, piano e set de percussão- e certo clima remetem ao idioma jazzístico, a organização da peça, com 90 minutos de duração divididos em 11 movimentos, se aproxima da linguagem erudita.

"Eu me identifico como músico de jazz, mas a minha música não tem muitas fronteiras. Essa peça é uma soma de todas as influências musicais da minha trajetória." "The New Immigrant Experience" teve duas apresentações, nos arredores de Boston e em Nova York. Por ora, não há planos de trazer o projeto ao Brasil. "Ninguém migra a um país com más intenções. É sempre com as melhoras intenções possíveis. As pessoas querem uma vida melhor para si e para os filhos, um futuro."

Folhapress



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