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'Sou 100% a favor do MeToo', declara Woody Allen, acusado de assédio

Por Redação T5 Publicado em
Woody Allen Cannes 2016

GUILHERME GENESTRETI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Se Martin Scorsese pinçou de Manhattan a sordidez do outrora degradado entorno da Times Square, repleto de cinemas pornô e do trottoir de trombadinhas e prostitutas, seu conterrâneo Woody Allen quis fixar outra fantasia sobre a ilha -a dos bancos de praça à beira do rio East, dos esfumaçados bares de jazz e das silhuetas cinzentas dos arranha-céus embaladas ao som de George Gershwin.

A nostalgia por um lugar que sucumbiu diante da gentrificação está impregnada em "Um Dia de Chuva em Nova York", novo filme de Allen, que estreia nesta semana no Brasil.

O protagonista, Gatsby Welles, vivido por Timothée Chalamet, tem planos de apresentar a metrópole à namoradinha caipira, Ashleigh, papel de Elle Fanning. Querem jantar no hotel Carlyle, passar a tarde no MoMA, se hospedar num andar alto o suficiente para que ela possa ver o Central Park. Mas a cidade que se descortina, imprevisível como a chuva que cai, é outra.

"Houve uma Nova York grandiosa, de gângsteres românticos e noites na Broadway, só que ela só perdurou entre os anos 1920 e 1940. Sou velho o suficiente para saber que a que existe hoje tem pouco a ver com a daquela época", diz o cineasta, por telefone. "Em parte, porque havia uma classe média morando aqui. Hoje só há os ricos e os pobres. E as bicicletas."

O irônico é que ainda não há previsão de quando essa sua nova declaração de amor à cidade -vinda de quem é o mais nova-iorquino dos diretores- vá desembarcar em solo americano. Tudo por causa de um imbróglio jurídico envolvendo Allen e a Amazon.

A empresa de tecnologia engavetou quatro filmes do diretor que estavam contratados, inclusive "Um Dia de Chuva em Nova York", que já havia sido filmado, assim que Allen virou alvo do movimento feminista MeToo -ele viu voltar à tona a acusação de que teria abusado sexualmente de sua filha adotiva, Dylan, em 1992.

Na época, o cineasta afirmou que Mia Farrow, a ex-mulher, havia manipulado a garota, então com sete anos.

Na última semana, a disputa judicial de mais de US$ 68 milhões envolvendo Allen e a Amazon terminou com um acordo que não teve seus valores ou termos divulgados. Antes da entrevista, uma assessora do diretor informou ao repórter que o cineasta não responderia a questionamentos envolvendo o caso e o não lançamento do filme nos Estados Unidos ou a conversa teria de ser encerrada.
Isso não impediu de mencionar o MeToo. "Não sei o quão organizado ele é como movimento, mas sou 100% a favor de qualquer forma de combater o assédio e garantir igualdade de gênero."

Só que não foi bem isso que parte da crítica americana sentiu assim que o longa estreou na França, com resenhas malhando o retrato que seu novo filme faz de Ashleigh, a estudante de jornalismo bonitinha que cai na lábia de qualquer homem mais velho que cruza seu caminho, incluindo aí um solícito roteirista, vivido por Jude Law, um galã canastrão, interpretado por Diego Luna, e um diretor atormentado, papel de Liev Schreiber.

"Tento não ler o que sai por aí", responde o diretor a respeito desses últimos petardos que recebeu. "É por isso que consigo fazer um filme todo ano. Acabo um e já penso no outro, sem gastar tempo pensando na repercussão do que acabei de fazer."

Tanto é que para 2020 ele já tem engatado "Rifkin's Festival", rodado em San Sebastián, na Espanha, e com elenco quase todo europeu, incluindo Louis Garrel e Christoph Waltz. Mas se na Europa o diretor ainda é querido entre os atores, em seu país ele está longe de ser uma unanimidade.

Greta Gerwig, Mira Sorvino e o próprio Chalamet, que faz o protagonista de "Um Dia de Chuva em Nova York", foram alguns dos que, na esteira do MeToo, disseram que jamais trabalhariam com o cineasta outra vez. "Acho que cada um pode ter a opinião que quiser", diz o diretor. "Da minha parte, estou muito satisfeito em trabalhar com grandes atores europeus e na Europa. Minha família adora viajar."

Um destino aventado até poucos anos atrás era o Brasil. "Sim, houve essa conversa com alguns produtores, e eu adoraria filmar aí, mas preciso de uma ideia antes."

Ideia que poderia envolver a força do acaso, um dos grandes motes de sua filmografia, e que não falta em "Um Dia de Chuva em Nova York".

"A ideia de que a vida é guiada pelo imprevisível é aterrorizante", afirma Allen. "As pessoas não percebem que não estão no controle do que sucede a elas, que podem ser atropeladas por um caminhão ao virar uma esquina."

Essa é a grande descoberta de Gatsby na trama. Típico protagonista do cineasta, um romântico incorrigível e verborrágico, ele carrega um nome que pode evocar o do milionário hedonista do livro de F. Scott Fitzgerald, mas seu temperamento está mais para o rebelde Holden Caulfield de "O Apanhador no Campo de Centeio", tamanho o desprezo que tem pelos pais aristocratas.

"Ele é um outsider, que é como eu me sentia quando era estudante", diz o cineasta. "Todos os meus colegas queriam ser médicos, advogados, arquitetos, e eu tinha uma visão menos mundana das coisas, queria ser um apostador, talvez ir para o teatro, entende?"

O tal componente outsider pode explicar por que Gatsby e Ashleigh, dois jovens contemporâneos, parecem estar tão longe da geração millennial -ele metido num paletó de tweed e sonhando com piano bars, ela lembrando Kurosawa.
"Tenho certeza de que entre esses garotos metidos na tela do celular, há muitos que não seguem o bando, que preferem Miles Davis a Beatles, por exemplo", diz o diretor. Fato é que não foi para atender nem uns nem outros que ele fez o longa.

"Não penso em público-alvo, não sei qual é o meu, se são jovens ou velhos. Creio que sejam indivíduos que se interessam pela minha perspectiva a respeito da vida."

E qual seria essa perspectiva? "Um interesse pela cultura, uma visão romântica e irrealista sobre o mundo e uma crença inabalável nos relacionamentos humanos, por mais dolorosos que eles possam ser."

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