Série de Keanu Reeves em São Paulo tem figurante ferido com fogos de artifício
A produção no Brasil é feita pela O2 Filmes, de Fernando Meirelles
SÃO PAULO, SP - As gravações da série de Keanu Reeves em São Paulo já deixaram até agora um bairro às escuras, paulistanos assustados, um ator ferido com fogos de artifício e figurantes descontentes.
A série de ficção científica é dirigida pelo inglês Carl Rinsch ("47 Ronins") e produzida por Keanu Reeves e pela uruguaia Gabriela Rosés Bentancor. As ruas de São Paulo são o cenário do futuro distópico da obra. A produção no Brasil é feita pela O2 Filmes, de Fernando Meirelles.
Já houve pelo menos quatro dias de filmagem na cidade, com atores nus pelo centro, tropas militares na avenida Paulista e sinalizadores pelos céus no melhor estilo invasão alienígena.
Foram esses sinalizadores o motivo de desentendimento na madrugada da última segunda (19), quando pelo menos uma pessoa ficou ferida.
A reportagem ouviu quatro pessoas da equipe, que pediram anonimato por terem assinado termos de confidencialidade sobre a série.
No domingo, a produção disparou fogos que caíam em chamas com uma espécie de mini paraquedas que suavizava a descida. Segundo os trabalhadores ouvidos pela reportagem, alguns desses amortecedores falharam, e os rojões atingiram a equipe.
Um vídeo mostra o momento em que um figurante, ferido, é carregado para receber atendimento.
Os atores eram proibidos de levar celular ao set de filmagem. Alguns, no entanto, burlaram a regra depois de presenciarem o que dizem considerar grosserias da equipe, a fim de registrar situações de assédio.
Está escuro –os postes de toda a região foram desligados pela prefeitura a pedido da produtora– e uma pequena lanterna ilumina o rapaz. Há gritos pedindo que abrissem espaço para o ferido e que o público fosse para outro lugar. Uma mulher pergunta: "Queimou?". Ao que outra responde, "Deu uma queimadinha, né?".
A O2 afirma que a queimadura foi superficial e que o ator foi "prontamente atendido no local" e se recusou a ir ao hospital. "No dia seguinte, a nossa produção entrou novamente em contato e o caso vem sendo acompanhado desde então, ele está bem."
A produtora diz que tinha no local duas ambulâncias, médico, enfermeiros, bombeiros e seguranças.
Em outro vídeo, um produtor fala com alguém pelo telefone. "Olha só, tem uma galerinha aqui dando defeito, gritando, falando que está perigoso. Gostaria de alguém aqui para botar um freio nisso, porque a galera tá ficando bolada."
Uma mulher reage: "'Uma galerinha dando defeito'? Defeito foi a bomba [o artefato que caiu sobre os figurantes]. Olha o respeito, cara, pela gente".
O produtor responde: "A culpa não é do nosso departamento. A gente não tem nada a ver com efeito", diz o rapaz. "Vocês só vão para lá quando tiver seguro, cara. A gente está providenciando segurança para vocês."
Outro vídeo gravado poucos minutos depois mostra um homem falando que mudaria a posição dos atores para "não se repetir o que aconteceu ali agora".
"Vocês não vão sair mais daqui, vão sair mais lá da frente. Quando vocês estiverem lá, em segurança, na altura do Teatro Municipal, eles vão soltar os 'flares'. Os 'flares', se eles caírem aqui, não vai ter ninguém mais de vocês aqui. A gente não quer que aconteçam acidentes.
Esse é o melhor jeito para não acontecer e não se repetir o que aconteceu ali agora."
Segundo os figurantes, porém, a situação continuou perigosa: um outro artefato em chamas teria caído ao lado da barraca de um morador de rua.
Com o receio de mais acidentes, parte da equipe foi embora antes do fim das filmagens –sob ameaças de que não receberiam cachê se o fizessem, eles afirmam. A O2 diz que os figurantes que não quiseram continuar no set "foram prontamente dispensados".
Quem aceitou ficar ali diz que era impedido de pegar um casaco ou de se proteger da chuva. Naquela madrugada, os termômetros do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências, da prefeitura) registraram temperatura média de 15°C na capital.
A produtora afirma que "o figurino desta filmagem não era desprotegido. Todos estavam com uma camiseta por baixo do macacão de manga comprida justamente pensado para proteger do frio. Inclusive os figurantes usavam um capacete que ajudou ainda mais a protegê-los das baixas temperaturas. E durante os intervalos os descansos eram feitos em um local fechado, com alimentação, bebidas quentes e todo apoio necessário".
Os figurantes dizem também que o cachê demorou para cair. O primeiro ensaio foi no dia 7 de agosto e os pagamentos só começaram a ser feitos só nesta quarta (21). A O2 afirma que a prática do mercado é pagar em 30 dias, mas que o pagamento começou a ser feito três dias após as filmagens.
As filmagens de domingo causaram outros transtornos. Os postes públicos do centro foram apagados pela prefeitura e os moradores reclamaram de não terem sido avisados da situação que deixou a região mais insegura.
A Prefeitura de São Paulo, sob a gestão Bruno Covas (PSDB), afirmou que instalou faixas notificando o bloqueio das ruas ("procedimento padrão previsto em legislação").
A vinda da produção ao país ocorre por meio da São Paulo Film Commission, braço da SPCine que trabalha para facilitar filmagens na cidade. As negociações começaram em maio do ano passado.
A O2 diz que 1.500 pessoas trabalham na série, produção de grandes proporções para os padrões nacionais, "gerando renda e movimentando a economia do setor, colocando a cidade de São Paulo em evidência e servindo de cenário para uma produção internacional".