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O que muda na prática após decisão do STF sobre a maconha?

Conheça os principais pontos do novo entendimento da Corte em relação ao porte e consumo da erva

Por SBT News Publicado em
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Consumo da maconha foi descriminalizado no Brasil (Foto: Reprodução/Câmara Porto Alegre)

Um dos assuntos mais comentados no Brasil nas últimas duas semanas foi a descriminalização, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do consumo da maconha. A Corte eliminou o caráter penal da conduta, agora tratada como um ilícito administrativo. Estabeleceu também a quantia máxima de 40 gramas para diferenciar o traficante do usuário da erva.

O que essa nova interpretação do STF significa na prática? Como essas mudanças devem impactar na sociedade e, sobretudo, nas vidas das pessoas que fumam maconha e de seus familiares? O porte da erva para consumo deixa de ser um caso de polícia? O usuário flagrado vai ser levado para a delegacia? Para responder a essas e outras questões, o SBT News elaborou perguntas e respostas com a ajuda do diretor de Litigância e Incidência da ONG Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio.

Em caso de detenção, o usuário é levado à delegacia?

Até que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) crie novas regras de processamento dos casos, o julgamento sobre as sanções administrativas aplicadas a usuários de maconha fica a cargo dos Juizados Especiais Criminais. Da mesma forma, enquanto o Estado não se reorganizar, caberá às delegacias de polícia receber as pessoas flagradas, para que sejam adotados os devidos procedimentos burocráticos.

Sampaio explica que não será lavrado um auto de prisão em flagrante, mas sim um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), com comunicação imediata aos juizados especiais. Nesse ponto, as formalidades se assemelham àquelas anteriores à decisão do STF. A diferença é que em momento algum poderá haver qualquer referência a uma conduta criminosa, seja na condução da pessoa à delegacia, seja na repartição policial.

Limite é de 40 gramas, mas pode haver prisão por quantia menor?

O STF definiu 40 gramas, mas enfatizou: "Esse critério não é absoluto". Apreensões de menos de 40 gramas acompanhadas por balanças de precisão e anotações de venda, por exemplo, podem caracterizar tráfico. De igual maneira, apreensões de quantidades maiores que 40 gramas, se ficar claro que se referem ao consumo, não caracterizam tráfico.

Se continua cabendo ao delegado fazer esse juízo de valor, o que muda, então, na prática? Segundo Sampaio, "há agora uma maior exigência do ponto de vista da produção de provas". Desse modo, "qualquer intervenção de viés criminal do Estado sobre a pessoa" será mais ponderada, o que tende a evitar excessos e injustiças.

O que acontece se o usuário for pego com haxixe ou skunk?

Na decisão do STF está escrito expressamente que o consumo de cannabis sativa não é ilícito penal. Mas existem outros tipos de cannabis (índica, ruderalis etc), também popularmente chamados de maconha. Além dessas variações, há o skunk (planta modificada com alto teor de princípios ativos) e o haxixe, uma espécie de extrato da cannabis de alta concentração das substâncias entorpecentes presentes na planta. Ambos não deixam de ser considerados maconha.

Uma interpretação ao pé da letra da decisão do STF exclui essas variações da planta. Do ponto de vista literal, o uso de maconha "não convencional" pode, portanto, ser equiparado ao porte de cocaína e crack, aos quais a decisão do STF não se aplica. Nesse caso, surge a dúvida:

Como o delegado deve proceder em caso de apreensão de uma quantia de cannabis que não seja a sativa?

Por um lado, se ele deixa de aplicar a lei penal (cocaína e crack), fica caracterizado o crime de prevaricação, que é a omissão do agente do Estado. Por outro, a partir da nova decisão do STF, se o delegado trata o usuário de maconha como criminoso, está sujeito à responsabilização civil, disciplinar e penal.

Na avaliação de Sampaio, a descriminalização, assim como o limite de 40 gramas, é específica da cannabis sativa. Não inclui outras variações. O delegado deverá avaliar, portanto, cada caso, além de fazer uma análise criteriosa da substância apreendida, inclusive com os órgãos policiais de perícia técnica.

Interpretação extensiva?

"Se for demonstrado que a droga apreendida tem outras características que não seja a de cannabis sativa, é o Judiciário quem vai ter que analisar", esclarece Sampaio, em referência a uma possível adequação judicial do caso concreto à norma do STF.

Nos órgãos judiciais, os magistrados terão mais elementos jurisprudenciais e até doutrinários para uma aplicação extensiva do entendimento do STF. Porém, para o delegado, caberá somente uma interpretação mais literal da regra do STF.

Como funcionarão, na prática, as sanções administrativas (educativas)?

O ponto fundamental da decisão do STF foi retirar o caráter criminal do consumo de maconha. Mas houve também uma alteração nas três sanções previstas para usuários de drogas. São elas: advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo.

Em relação ao consumo de maconha, o STF derrubou a prestação de serviços à comunidade, por entender que essa pena foge do viés educacional e remete a conduta a um ilícito penal. Essa sanção foi mantida para as demais drogas. Para a maconha, permaneceram somente a advertência e o comparecimento a programa ou curso educativo.

É necessário avançar

Sampaio explica que, ao aplicar essas duas sanções, o juiz vai estabelecer a duração e a modalidade conforme as particularidades de cada caso. "O Estado lida com pessoas que têm condições distintas de uso. Pode ser um dependente ou alguém que faz o uso recreativo da maconha. A depender do caso, são necessárias providências mais complexas, de saúde mental", informa o diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos.

Sampaio reconhece que, nem sempre, essas medidas serão as mais adequadas. "Nem sempre essa soluções, no campo penal ou mesmo no campo administrativo, dialogam com a complexidade do assunto. Por isso, é importante que a sociedade continue debatendo: quais as melhores formas de lidar e de construir políticas de drogas que estejam conectadas com a realidade de cada indivíduo e que estejam conectadas com uma avaliação mais moderna da atuação do Estado?", reflete Sampaio.

O usuário de maconha terá uma mancha na "ficha criminal"?

O plenário do STF deixou claro que não pode haver qualquer conotação criminal ao uso da maconha. Do momento da apreensão da droga até a aplicação das sanções administrativas. Por isso, embora esses detalhes não tenham sido muito abordados expressamente no julgamento, está mais do que determinado que não pode haver qualquer anotação criminal em ficha policial.

Consequentemente, quem for flagrado usando maconha não perde a condição de réu primário. Nesse mesmo sentido, caberá revisão de caso de um preso por outro ilícito teve a progressão de regime negada em razão da adição, na ficha criminal, do delito de porte de maconha para consumo.

Falando em prisão, até mesmo os presos por tráfico poderão ter suas condições revistas pela Justiça. Isso porque, como agora há o limite de 40 gramas, a tendência é de flexibilização das prisões decretadas apenas no critério da quantidade, sem elementos suficientes indicativos de tráfico (balança de precisão, anotações de comércio de maconha etc).

"Essa revisão deve levar em consideração aqueles casos em que a condenação ou a atual prisão preventiva tenha como único elemento concreto a quantidade de drogas. Essa quantidade sendo inferior a 40 gramas, a consequência deve ser, sim, a soltura. Mas tem que ser analisado cada caso concreto", enfatiza Sampaio.



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