Gilmar chama Janot de 'potencial facínora' e pede mudança na escolha do PGR
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), chamou nesta sexta (27) o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de "potencial facínora" e defendeu mudanças no sistema de escolha de ocupantes do cargo.
Ele atribuiu ao ex-procurador-geral um "grave problema psiquiátrico" e sustentou que isso atinge todas as medidas que apresentou e foram deferidas pela corte.
Gilmar comentou revelação feita por Janot a veículos de imprensa na véspera. Ele contou que, numa ocasião, foi armado ao Supremo com a intenção de matar Gilmar e, em seguida, suicidar-se.
O relacionamento dos dois foi marcado por embates jurídicos, em especial sobre a condução de casos da Operação Lava Jato.
"Os senhores sabem que eu fui, no Supremo Tribunal Federal, sempre um crítico dos métodos do procurador Janot. Divergências de caráter intelectual e institucional. Não imaginava que nós tivéssemos um potencial facínora comandando a Procuradoria-Geral da República", declarou Gilmar na saída de um evento no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
"Imagino que todos aqueles que foram os responsáveis por sua indicação -ele foi duas vezes procurador-geral- devem estar hoje pensando na sua alta responsabilidade em indicar alguém tão desprovido de condições para as funções."
Janot exerceu o cargo inicialmente de 2013 a 2015 e, em seguida, foi reconduzido para mais um mandato de dois anos. Nas duas ocasiões, foi o primeiro colocado na lista tríplice formada em eleições de sua categoria. Foi sabatinado e aprovado pelo Senado, sendo, na sequência, nomeado pela então presidente Dilma Rousseff.
Segundo dois criminalistas ouvidos pela reportagem, planejar um homicídio nos termos descritos por Janot, mas sem tentá-lo ou cometê-lo, não é crime.
O Código Penal e a jurisprudência dos tribunais não criminalizam a fase preparatória de um ilícito. Se Janot tivesse tentado atingir ou efetivamente ferido o ministro, aí sim poderia ser acusado.
Gilmar descartou recorrer a alguma medida judicial por causa das declarações do desafeto.
"Não cogito isso. Tenho a impressão de que se trata de um problema grave de caráter psiquiátrico, mas isso não atinge apenas a mim, atinge a todas as medidas que ele pediu e foram deferidas no Supremo Tribunal Federal: denúncias, investigações e tudo o mais. É isso que tem que ser analisado pelo país."
Questionado se as declarações de Janot contaminam as investigações da Lava Jato, o ministro reagiu: "Entendo que, na verdade, elas foram feitas por um tipo de pessoa com essa qualidade psicológica, com essa personalidade e, por isso, precisam ser analisadas a partir dessa perspectiva".
Gilmar afirmou que o episódio demonstra "o quão errado" é o modelo "hoje corporativo de escolha de membros do Ministério Público para essa função". Opinou que o sistema político terá de descobrir novos critérios, talvez abrindo a possibilidade de nomeação entre "todos os juristas do Brasil".
"Isso é um pouco o fim de um modelo, eu acredito. Passaram a escolher quem? Passaram a escolher pessoas que não tinham qualificação jurídica, não tinham qualificação moral e não tinham qualificação psicológica para exercer essa função."
O episódio narrado por Janot a veículos de imprensa está descrito em livro de memórias que ele acaba de lançar. No livro, "Nada Menos que Tudo" (editora Planeta), escrito com a colaboração dos jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evelin, Janot faz um balanço de sua atuação à frente da Operação Lava Jato e rebate as críticas que recebeu durante sua atribulada gestão.
Ele conta que, em maio de 2017, como procurador-geral, pediu a suspeição de Gilmar em casos relacionados ao empresário Eike Batista, que se tornara alvo da Lava Jato e era defendido pelo escritório de advocacia do qual a mulher do ministro, Guiomar Feitosa Mendes, é sócia.
Segundo Janot, o ministro do STF reagiu na época lançando suspeitas sobre a atuação de sua filha, Letícia Ladeira Monteiro de Barros, que é advogada e representara a empreiteira OAS no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
"Num dos momentos de dor aguda, de ira cega, botei uma pistola carregada na cintura e por muito pouco não descarreguei na cabeça de uma autoridade de língua ferina que, em meio àquela algaravia orquestrada pelos investigados, resolvera fazer graça com minha filha", diz Janot no livro.
"Só não houve o gesto extremo porque, no instante decisivo, a mão invisível do bom senso tocou meu ombro e disse: não."
Gilmar chamou de impróprio atribuir a si o vazamento da informação sobre a filha do procurador-geral.
"Um jornalista, colega de vocês, Reinaldo Azevedo [colunista do jornal Folha de S.Paulo], descobriu que a filha de Janot atuava para as mesmas empresas, para essas empresas da Lava Jato, OAS, Odebrecht, no Cade. Então, se o argumento era receber honorários de empresas da Lava Jato, ela estava na verdade nas mesmas condições. Mas isso foi descoberta de vocês, jornalistas."
O ministro disse desconhecer detalhes sobre o esquema de segurança do Supremo e se, eventualmente, autoridades como o procurador-geral da República passam por algum tipo de raio X.
Acrescentou, no entanto, que a corte certamente discutirá possível reforço visando à proteção dos ministros.
O Estatuto do Desarmamento dá a integrantes e servidores do MPF (Ministério Público Federal) o direito de portar armas.
Autoridades como o procurador-geral não passam por nenhum controle de entrada de armas para acessar o plenário do Supremo. Elas entram no prédio em que ocorrem os julgamentos pelo Salão Branco da corte, local em que não há detectores de metais.
O Supremo, em nota, informou que adota procedimentos "não apenas de segurança e monitoramento, mas também de inteligência, de modo a assegurar a proteção de seus ministros, de seus servidores, de todos os que frequentam as sedes da corte e de seu patrimônio".
"Para isso, faz uso tanto de recursos humanos e materiais próprios quanto da cooperação com outros órgãos e autoridades", acrescentou.
Gilmar foi indagado sobre o que teria levado Janot a fazer a revelação agora. Respondeu lhe parecer que o ex-procurador passou, "graças também à mídia", por um momento de apogeu.
"Agora está vivendo, na verdade, um momento... está passando por uma crise de abstinência, muito provavelmente. Um problema psicológico muito sério e certamente isso explica um pouco desses desatinos", comentou.
O ex-procurador-geral e o ministro do Supremo já foram mais próximos. Quando ambos se mudaram para estudar na Europa nos anos 1980, até tomaram cerveja juntos na Alemanha, segundo Janot.
Em debate no 12º Congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), realizado em São Paulo, em 2017, Janot disse que eles se visitavam na Europa.
"Lá a gente se frequentava. Ele nunca foi à Itália. Eu fui à Alemanha. Saíamos lá. Tomamos sorvete. Sorvete, não. Cerveja. Sorvete, não!", afirmou, ao levar a plateia à gargalhada.
Janot lembrou, na ocasião, que ele, Gilmar e Joaquim Barbosa foram aprovados no mesmo concurso para a Procuradoria. Eles tomaram posse, segundo o ex-procurador-geral, no dia 1º de outubro de 1984.
Anos depois, foram para a Europa, cada um para um país. "Eu fui para a Itália estudar, ele foi para a Alemanha, outro colega foi para a Bélgica, e o Joaquim Barbosa foi para a França. Somos todos do mesmo concurso."
O comentário foi feito em resposta a uma pergunta da jornalista Renata Lo Prete, que quis saber mais sobre a relação entre o então PGR e o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal). "Chegou um momento complicado, precisamos falar sobre Gilmar Mendes", afirmou a jornalista.
Janot afirmou, então, não ter o menor problema com o ministro. "Eu afirmo: não tenho nenhum conflito com ele. Zero."
De acordo com Janot, qualquer manifestação mais dura que tenha ocorrido entre ele e o ministro resultou de uma reação a agressões. "Legítima defesa", afirmou.
"Vocês nunca vão ver eu me dirigindo agressivamente a ele, sendo proativo numa agressividade, eu nunca fui", disse. "Agora, se ele tem contra mim, tem de perguntar para ele."
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