Vizinhança reivindica tombamento de parte da Vila Mariana, em SP
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quem desce a rua Dr. Fabrício Vampré, na Vila Mariana, bairro da zona sul de São Paulo, nem sempre sabe que está pisando pedras quase centenárias.
A bela ladeira calçada em paralelepípedos traça um "U" por dentro de um quadrilátero cuja preservação, em âmbito municipal, irá a votação na tarde desta segunda-feira (19).
Há indícios de que seus seus contornos tenham sido desenhados pelo engenheiro Francisco Prestes Maia, antes de ele se tornar o autor do Plano de Avenidas, que mudou as feições de São Paulo e, mais tarde, prefeito da cidade.
Contudo, quando os membros do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) se reunirem para decidir por abrir ou não processo de tombamento, não estarão avaliando somente o aspecto histórico.
O extenso relatório enviado pela arquiteta Maria Albertina Jorge Carvalho, em nome do coletivo de vizinhos Chácara das Jaboticabeiras, cobre a hidrografia e outros aspectos físicos do local, fauna e flora que a habitam.
Sobretudo, porém, ele destaca o valor do tecido social formado nesse miolo de bairro quase escondido entre vias de ampla circulação.
A Chácara das Jaboticabeiras, cujo nome deriva do loteamento original, iniciado em 1925 e batizado Villa Jaboticabeiras, é delimitada pelas ruas Domingos de Morais, Joaquim Távora, Humberto 1° e a avenida Conselheiro Rodrigues Alves.
Há cerca de um ano, moradores da região começaram a relatar o assédio de incorporadoras interessadas em suas casas -dos 109 lotes residenciais no miolo do quadrilátero, apenas 10 são edifícios.
Não estão nessa conta os lotes que compõem a vila dos anos 1930 que, em abril passado, foi salva da demolição.
Após 13 anos perdido no Conpresp, o pedido de abertura de tombamento do conjunto, apelidado de "vilinha" pelos moradores, passou a ser analisado pelo órgão quando os guindastes e marretas já se erguiam sobre ela.
O episódio contribuiu para aumentar a experiência e a mobilização do coletivo, que se iniciou com 12 pessoas e hoje soma cerca de 50, em graus diferentes de engajamento, além de cerca de mil seguidores nas redes sociais. O grupo organiza eventos, como bingos, bazares e caminhadas, para difundir a causa.
Juntos, também, os vizinhos levantaram informações e deram depoimentos para o relatório pedindo o tombamento.
O que a vizinhança pede ao órgão não é a preservação das edificações, mas do conjunto urbano e da paisagem que dão ao seu pedaço de cidade um ar todo especial.
A compreensão disso foi fundamental para que a ideia tomasse forma entre aqueles que temiam que suas casas ficassem congeladas se o tombamento fosse aceito.
A autora do relatório, conhecida como Beta, foi procurada para ajudar o grupo por Jurema Alves de Oliveira, sua amiga desde os tempos da FAU-USP.
Jurema havia se mudado poucos anos antes para aquele miolinho que namorava desde os anos 1990.
Na casa que conseguiu alugar após muita espera, há um pé de maracujá que dá muita fruta, graças a besouros polinizadores raros em lugares menos verdes. Também no seu quintal, já viu um gavião abocanhar um passarinho.
Uma questão maior do que o charme do local ajuda a entender a intensificação do assédio dos incorporadores -que inclui, segundo moradores, exigência de sigilo nas negociações, atreladas a convencimento de vizinhos.
A Chácara das Jaboticabeiras se insere numa zona que, pelo Plano Diretor de 2014, deve favorecer o adensamento, por estar ao longo de eixos de transporte. Numa de suas bordas está o largo Ana Rosa, com metrô e terminal de ônibus. "As particularidades desaparecem nessa visão macro [do Plano Diretor]", diz Beta.
Um plano de bairro, etapa não cumprida da lei de uso e ocupação de solo, afirma a arquiteta, é essencial para identificar peculiaridades.
No caso da Chácara das Jaboticabeiras, há o declive acentuado que não favorece a ocupação adensada, as limitações de infraestrutura de água, esgoto e luz.
E há esse ar de vilarejo, com famílias que em certos casos ocupam os mesmos lotes há décadas -o morador mais antigo da rua Benito Juarez, uma das que mais concentram casas, vive lá desde 1945.
A autora do relatório frisa esse aspecto ao explicar por que esse miolo de bairro deve ser tombado, falando tanto aos céticos que acham que se trata de um grupo em busca de preservar seus interesses individuais, ou de românticos contra o progresso. Mas, complementa, "não pode ficar num aspecto que é individual, levar bolo ou ir na horta da vizinha".
"O ambiente funciona para toda a região; é uma área que as pessoas escolhem para passear, é uma área de respiro. Uma cidade homogênea, a gente já percebeu, não é boa nem saudável."
Leia mais: Preso suspeito de estuprar menina de 10 anos após invadir casa no interior da PB
+ Mulher foge de casa após apanhar e ficar trancada por uma semana, em Santa Rita; marido é preso