Ministros não obedecem Bolsonaro, diz líder de policiais sobre Previdência
A equipe do governo não cumpre as ordens do mandatário, diz presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O fracasso do presidente Jair Bolsonaro na articulação para contemplar agentes federais da segurança pública com regras de aposentadoria mais amenas tem um único motivo na opinião do presidente da ADPF (Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal), Edvandir Paiva: a equipe do governo não cumpre as ordens do mandatário.
"Há uma divisão entre a Economia, a Casa Civil e o próprio presidente da República e ele não consegue fazer uma ordem dele ser cumprida", disse Paiva em entrevista na quinta-feira (4). "Em outras épocas, a gente falava com o presidente da República, ele dava uma ordem e ela era cumprida. Agora não é assim. Sinto que ele [Bolsonaro] gostaria de resolver o problema, mas ele não consegue impor a vontade dele ao Ministério da Economia, e nós ficamos na mão", afirmou. Paiva diz que a proposta apresentada na quarta-feira (3) como acordo com a categoria não foi discutida com os agentes federais. "Pedimos Z e nos ofereceram A. É uma proposta estapafúrdia, que nunca pedimos. Nunca discutimos idade mínima. Não temos problema em contribuir com a idade mínima", afirmou.
A proposta negociada na quarta com o relator da Previdência, Samuel Moreira (PSDB-SP), previa idade mínima de 53 anos para homens e de 52 para mulheres das carreiras de policiais federais, rodoviários federais e legislativos (com atuação no Congresso). A PEC (Proposta de Emenda à Constituição), enviada pelo governo em fevereiro, criava uma idade mínima de 55 anos para homens e mulheres. Hoje, não há idade mínima para as categorias se aposentarem, mas apenas a exigência de 30 anos de contribuição, se homem, e de 25, se mulher. "Sabe o que essa proposta gera de economia para o governo nos próximos dez anos? R$ 3 bilhões, só que eles queriam ter economia de R$ 5 bilhões. O governo está comprando uma briga por causa de R$ 2 bilhões, que não é nem 0,2% frente ao total de R$ 1 trilhão. O problema não é econômico, é político."
Pergunta - Como a categoria vê o cenário atual? EP - Acho que há uma confusão muito grande entre a articulação das ordens do presidente e o que o governo faz no Congresso. O presidente se reuniu conosco no dia 20 de maio, com 20 entidades da União dos Policiais do Brasil, no gabinete dele, na presença da [líder do governo no Congresso] Joice Hasselmann [PSL-SP], [do líder do governo na Câmara] Major Vitor Hugo [PSL-GO], do ministro da Economia [Paulo Guedes] e do ministro da Casa Civil [Onyx Lorenzoni].
A Joice tentou dizer nessa reunião que era necessário fazer cálculo de impacto orçamentário para firmar qualquer tipo de compromisso, mas o presidente cortou ela no meio da fala e disse: 'Não. É para atender os policiais'. Saímos dessa reunião acreditando que o problema poderia ser resolvido, mas, quando a gente veio para o Congresso, a gente viu que não tinha nenhuma articulação nesse sentido. Muito pelo contrário. O [secretário especial de Previdência] Rogério Marinho, o Guedes e a própria Joice trabalhavam contra o atendimento das nossas questões.
No dia do encontro com o presidente, o que vocês apresentaram como demanda? EP - Um tratamento similar ao dos militares. Conversávamos com a Casa Civil antes de o projeto vir para o Congresso e pedimos que o tratamento fosse semelhante e o que os projetos viessem juntos, para que nós, policiais, pudéssemos discutir a nossa Previdência junto com a dos militares. Eles resolveram mandar do jeito que veio e agora estão com um impasse: como vão tratar duas categorias iguais de maneira diferentes?
Bolsonaro havia concordado? EP - Ele tinha concordado. O militar tem 17% de pedágio [17% a mais do que o período restante para cumprir o tempo mínimo de contribuição], pensão integral, paridade e integralidade -os militares têm, inclusive, para quem vai entrar na carreira.
A idade mínima foi discutida? EP - Não temos problema com a idade mínima. A gente conversou dentro da nossa classe e chegou à conclusão de que os 55 anos [propostos pelo governo] são o nosso compromisso com a reforma da Previdência. Hoje não temos a idade mínima, mas aceitamos a proposta. Qual é o problema? Precisamos ter uma regra de transição porque temos colegas trabalhando há 25 anos e que já organizaram a vida para o momento da aposentadoria. A gente queria suavizar esse momento para eles, mas é importante dizer que isso vai pegar uma base bem pequena da categoria. E tem a paridade e a integralidade que é importantíssima para a gente.
Depois desse episódio, como fica a relação com o governo e com o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro? EP - A relação fica muito ruim porque os compromissos não estão sendo honrados. A gente até acredita que haja uma boa vontade do presidente da República para resolver a questão, só que isso não se reverte a uma ordem a seus subordinados no Ministério da Economia e junto à articulação política no Congresso. Há uma divisão entre a Economia, a Casa Civil e o próprio presidente da República, e ele não consegue fazer uma ordem dele ser cumprida. Em outras épocas, a gente falava com o presidente da República, ele dava uma ordem e ela era cumprida. Agora não é assim. Sinto que ele [Bolsonaro] gostaria de resolver o problema, mas ele não consegue impor a vontade dele ao Ministério da Economia, e nós ficamos na mão. Agora, nós não votamos no Guedes, nós votamos no presidente da República Bolsonaro, que se elegeu com a proposta de valorizar a segurança pública e você não valoriza a segurança pública se você não olhar para as pessoas que trabalham nela.
O presidente foi 'traidor', como disseram os policiais no protesto? EP - O presidente não conseguiu cumprir um acordo que ele fez conosco e as nossas bases estão nervosas. A gente já tinha avisado ao presidente e ao governo que não estávamos mais conseguindo explicar para a base o que estava acontecendo e que naturalmente ela ia explodir, como explodiu com esses episódios de policiais gritando que o presidente é traidor. Acredito que agora vão gritar que o partido, o PSL, é traidor. Não dava para segurar. É um sentimento genuíno dos policiais hoje. E aconteceu uma coisa essa semana, que é muito importante. Na segunda-feira [1º], fomos chamados pelo [Major] Vitor Hugo e ele nos disse que havia um acordo entre o presidente da República, o relator da Previdência e o ministro da Economia para que se mandasse um projeto de lei complementar com as nossas regras para elas serem tratadas na mesma comissão [da Previdência dos] militares. É o que pedimos desde o início, porque a nossa vida é muito parecida com a vida do policial militar. A gente saiu daqui mais uma vez acreditando que tudo seria resolvido. Na quarta [3], recebemos informações de que o governo teria feito um acordo conosco, mas nós não fomos chamados para conversar.
O governo diz agora que vai levar a discussão ao plenário. Vocês já foram chamados para novas conversas? EP - Fomos chamados hoje pelo ministro da Casa Civil e, no início, ele até tentou com o [Rodrigo] Maia [DEM-RJ] que aquele acordo do início da semana fosse fechado, mas o presidente da Câmara não aceitou.
Por quê? EP - Maia acha que, se a gente for remetido para lei complementar, ele vai abrir uma brecha para mais categorias saírem do texto da Previdência.
O sr. também falou que haverá gritos de traidor contra o PSL. Na sua avaliação, o que motivou a mudança de posicionamento? EP - Eles nos abandonaram. Nós contávamos com um destaque do PSL aqui. O líder do PSL [Delegado Waldir (GO)] nos garantiu que haveria destaque, o presidente do PSL [Luciano Bivar (PE)] nos garantiu que haveria destaque. Temos três colegas delegados no PSL. Temos uma bancada importante dentro do PSL. Esse pessoal puxou votos para o PSL, e a gente esperava que eles nos atendessem ao menos com o destaque aqui na comissão. Mas, de última hora, com a pressão da liderança do governo, retiraram e ficamos na chuva. Nesta quinta [4], Bolsonaro falou em equívoco e defendeu uma Previdência mais branda para os policiais. Ele deu essa declaração porque sabe que não houve um acordo com a gente.