Justiça rejeita pedido de Doria para censurar texto de ficção sobre a sua morte
ROGÉRIO GENTILE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Justiça paulista rejeitou pedido feito por João Doria (PSDB) ainda como prefeito de São Paulo para censurar uma texto de ficção que trata sobre a sua morte.
O conto intitulado "Sobre a brutal morte do prefeito João Doria" foi publicado no dia 28 de abril de 2017 no site "Diário Causa Operária", ligado e mantido pelo PCO (Partido da Causa Operária).
Assinado pelo colunista William Dunne, o texto descreve uma revolta generalizada desencadeada por uma ação policial contra manifestantes que apoiavam uma greve geral.
"Depois de apanhar muito, lá estava Doria, lá embaixo, todo ensanguentado, sendo jogado de um lado pro outro no viaduto do Chá", diz o artigo de ficção.
"De repente, o prefeito foi apanhado pelos braços e pelas pernas, e começou a ser balançado de um lado para o outro. Quando já tinha pego o impulso necessário, o alcaide foi arremessado da ponte."
Na petição apresentada por seus advogados, o hoje governador paulista argumenta que, embora seja um "conto fantasioso", o autor incita a violência.
Segundo o tucano, utilizando-se do "pretexto da liberdade de expressão", ele criou "um texto que induz os leitores extremistas do partido a tomarem alguma atitude violenta contra João Doria".
"É normal alguém se utilizar da internet para dizer 'Pega o Doria!, pega esse filho da Puta'", aponta na ação.
O atual governador argumenta que há limites para a liberdade de expressão. "A livre manifestação do pensamento, portanto, em hipótese alguma pode se sobrepor ao direito à vida."
Segundo ele, "a partir do momento em que se divulga algo desse gênero na rede mundial de internet, o Poder Judiciário deve agir justamente para que se evite o pior, quando então já será tarde".
Na visão do tucano, o texto "traduz um verdadeiro manual do que não se pode fazer na internet".
Em sentença assinada no início de junho, a juíza Samira de Castro Lorena, da 1ª Vara Civil de Jabaquara, não aceitou o pedido de retirada do texto da internet.
Em sua decisão, disse que, apenas em casos extremos, uma medida desse porte deve ser ordenada pela Justiça.
Segundo a juíza, o "uso abusivo da liberdade de expressão" pode ser reparado por mecanismos diversos como a retificação, a retratação, o direito de resposta e a responsabilidade civil ou penal.
Disse também, que "embora seu conteúdo seja de mau gosto", o conto não trouxe prejuízo para a integridade física ou psíquica de Doria, bem como para sua imagem, ressaltando que foi eleito governador.
"O interessado, se desejar, pode valer-se de outros meios, que não a censura, para postular direitos que considere tenham sido violados."
O advogado Márcio Pestana, que representa o governador, disse à reportagem que vai recorrer da decisão.
Pestana afirma que o texto não descreve um fato, mas gera inquietação ao incitar a violência contra o seu cliente.
À época da abertura do processo, o "Diário Causa Operária" ressaltou que o texto era uma obra de ficção e afirmou que o então prefeito de São Paulo "acredita que só pode escrever sobre ele se for para elogiar suas ações, coisa que nem mesmo a imprensa burguesa tem conseguido fazer".
Não é a primeira vez que Doria aparece em polêmicas referentes à liberdade de expressão.
Em 2017, criticou uma performance no MAM (Museu de Arte Moderna) após a divulgação de um vídeo no qual uma criança mexia no pé de um artista, que estava nu. Na ocasião, o prefeito disse que "tudo tem limite". "A arte é uma manifestação aberta e ampla, mas uma instituição séria em nome dessa liberdade não pode permitir uma cena libidinosa", afirmou.
Já no ano passado, quando foi alvo de uma decisão judicial que o proibiu de usar o slogan "Acelera SP", inclusive de reproduzi-lo gestualmente, com os dedos na horizontal em forma de V, reclamou de censura. "Nós vivemos num país livre, acabou o tempo da ditadura militar no Brasil."
Na ação, o Ministério Publico, autor da denúncia, afirmou que Doria na prefeitura continuou a se utilizar do slogan criado para a campanha eleitoral, o que caracterizaria promoção pessoal.
"Inibir gestos, inibir palavras, isso não existe, é censura", protestou o tucano à época.