Bactérias de tuberculose resistentes a antibióticos desafiam combate à doença
O Brasil tem 34% dos casos de coinfecção do mundo e menos da metade dessas pessoas tomam antirretroviral.
No caso das pessoas com HIV e tuberculose, a necessidade de conciliar grande quantidade de medicamentos aumenta o risco de abandono do tratamento e de suas possíveis consequências devido à baixa imunidade. A Agência Brasil publica esta semana uma série de matérias sobre a infecção simultânea de pessoas com o vírus HIV e a bactéria da tuberculose. O Brasil tem 34% dos casos de coinfecção do mundo e menos da metade dessas pessoas tomam antirretroviral.
Nos últimos anos, no país, quase duas mil pessoas desenvolveram tuberculose resistente às principais drogas de tratamento. A resistência extrema, que atinge quase todos os medicamentos da terapia, foi confirmada em apenas dez pacientes brasileiros no último ano, segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Mas em outros países da América, como o Peru, a situação de alta resistência aos antibióticos da tuberculose já é considerada epidemia pela organização. “É uma epidemia, a tuberculose resistente. A extremamente resistente está em fase de crescimento alarmante no Peru. No Brasil, temos pouquíssimos casos, que se conta nos dedos das mãos e estão bem controlados, estão recebendo tratamento pra tuberculose extremamente resistente”, disse Fábio Moherdaui, consultor nacional de tuberculose da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).
A organização alerta que a tuberculose resistente aos principais medicamentos de tratamento se tornou uma ameaça no mundo. No último ano com estatísticas disponíveis, havia 600 mil novos casos de resistência à rifampicina, antibiótico mais efetivo contra a doença. Dentre esses casos, 490 mil também eram resistentes às outras drogas que compõem a terapia contra tuberculose. Metade dos casos foram diagnosticados na Índia, China e Rússia, países que junto com o Brasil e a África do Sul compõem o bloco chamado Brics.
Estima-se que, no mundo, pelo menos 700 mil pessoas já morreram por resistência antimicrobiana e que um quarto desses óbitos foram por tuberculose. Se o número de casos de resistência aos antibióticos seguir essa tendência, até 2050 morrerão cerca de 10 milhões de pessoas devido à ineficácia dos antibióticos, ou seja, uma pessoa a cada três segundos, segundo as estimativas internacionais.
Custo do tratamento
“O problema da multirresistência é que você consegue curar só metade das pessoas [com o tratamento comum]. E os 50% que sobram vão para outro tratamento de resistência, que leva 18 meses, ou seja, três vezes mais demorado que o tratamento básico”, explica Valeria Rolla, coordenadora do laboratório de micobacterioses da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O tratamento da tuberculose resistente é feito com uma combinação de sete medicamentos e causa um alto impacto financeiro. O custo para tratar casos de resistência antimicrobiana em todo o mundo pode chegar a US$ 100 trilhões.
Diante desse risco, o Ministério da Saúde anunciou, durante a Mostra Nacional de Experiências Bem-Sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças de 2017, que está desenvolvendo um plano estratégico de prevenção e controle de resistência aos antimicrobianos. O programa deve ser executado a partir deste ano até 2022 e tem como uma de suas prioridades a implantação de um sistema nacional de vigilância dos casos de resistência, além de promover ações de educação com estudantes, profissionais e gestores de saúde sobre o tema.
Simplificar o tratamento é fundamental para quem tem HIV
Os quatro medicamentos utilizados no tratamento básico de tuberculose são rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol, administrados por um período de seis meses a um ano. Já nos casos de tuberculose resistente, o tratamento é feito com uma combinação de sete medicamentos, por um período de um ano e meio, o que torna a adesão dos pacientes ainda mais difícil devido aos fortes efeitos colaterais.
Se a pessoa infectada pela tuberculose tiver HIV, ainda deve adicionar à sua rotina os medicamentos antirretrovirais, como o efavirenz ou o dolutegravir – este último foi incorporado recentemente ao Sistema Único de Saúde (SUS) e foi recebido com muita expectativa por apresentar menos danos colaterais. Ainda assim, a combinação das duas infecções pode ter impacto na resistência dos antibióticos e na eficácia do tratamento.
“A pessoa está enjoada, se sentindo mal, sem apetite, aí tem que tomar o tratamento da tuberculose, que pra uma pessoa de 50 e poucos quilos vai ser quatro comprimidos por dia, em jejum de manhã. O tratamento do HIV para pessoas que estão com tuberculose vai ser feito com pelo menos três drogas. E ainda tem as outras profilaxias e remédios para tratar as outras doenças que essa pessoa pode ter adquirido por estar com a imunidade baixa. Então, não é difícil você encontrar uma pessoa tomando dez ou 12 comprimidos por dia”, relata o médico infectologista Rafael Sacramento.
Pesquisas
Há vários estudos em andamento com o objetivo de tornar o tratamento da tuberculose mais curto, barato e com menos efeitos adversos para o paciente. Mas a maioria dos medicamentos que têm apresentado resultados positivos de cura ainda não está disponível no mercado.
“Desde meados da década de 60 a gente não tinha drogas novas para tratar tuberculose. Até que recentemente a gente desenvolveu duas moléculas, bemaquilina e delamanide, mas que ainda estão em pesquisa e análise para se tornarem realmente efetivas para o tratamento”, afirmou Sacramento. Os resultados, no entanto, podem levar alguns anos para serem consolidados e chegar ao mercado.
Algumas das pesquisas desenvolvidas com as novas drogas foram apresentadas durante a 48ª Conferência Internacional sobre Doenças Pulmonares, na cidade de Guadalajara, no México, em outubro do ano passado. Um dos estudos apontou que o tratamento baseado em novas drogas aumenta em seis vezes a chance de cura dos pacientes infectados pela tuberculose multirresistente.
“O novo tratamento aumenta de 28 para 82% a taxa de cura dos casos extensivamente resistentes. Claro que a gente tem que ter muito cuidado, mas já é um estudo observacional”, ou seja, em que o paciente mantém suas rotinas sem um controle estrito dos pesquisadores, explica Dráurio Barreira, médico sanitarista e gerente técnico da Unitaid, organização internacional que busca novos métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV e da tuberculose no mundo.
O estudo foi realizado em 15 países que apresentam diferentes programas de controle da doença. O Brasil não foi incluído no projeto por não se enquadrar no perfil de país com média e alta renda e também por apresentar poucos casos de tuberculose resistente.
Mas o país tem feito pesquisas para aumentar a eficácia e a adesão dos pacientes ao tratamento. Alguns dos estudos buscam avaliar a combinação entre os medicamentos usados para tratar a coinfecção HIV e tuberculose.
A pesquisadora Mariana Xavier, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), tem estudado a comparação do uso das dosagens usuais do medicamento efavirenz (usado no tratamento do HIV) em conjunto com a rifampicina (antibiótico que trata a tuberculose) e sua comparação do tratamento com a dosagem aumentada, recomendado no caso de coinfecção.
O problema é que, segundo os especialistas, a interação da droga contra tuberculose com os antirretrovirais, principalmente se a dose for aumentada, implica em mais efeitos colaterais para o paciente, o que dificulta sua adesão ao tratamento. “O resultado [do nosso estudo] é que, pela eficácia, não precisa aumentar a dose, a quantidade usual já é suficiente”, explica Mariana.
No entanto, a pesquisadora ressalta que, apesar da disponibilidade dos medicamentos da tuberculose ser boa no país, ainda é preciso melhorar a conscientização entre os pacientes para não abandonar o tratamento e renovar os tipos de drogas mais usadas, priorizando as que apresentam efeito contra as microbactérias resistentes.
Outro estudo desenvolvido por pesquisadores brasileiros busca novos métodos para aumentar a capacidade de identificação de casos de tuberculose em pessoas que vivem com HIV a partir de experimentos com novos marcadores biológicos. O Brasil também integra um grupo de países que buscam a formação de um protocolo comum de dados e coleta de amostras.
Agência Brasil