Ambulatório LGBT do Hospital da Mulher acolhe 155 pacientes em quase cinco meses
O serviço é o primeiro em Alagoas 100% Sistema Único de Saúde, com foco no cuidado e no acolhimento dessas pessoas.
O Ambulatório de Acolhimento e Cuidado Integral de Pessoas Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) do Hospital da Mulher Dr.ª Nise da Silveira, localizado no bairro Poço, em Maceió, já acolheu 155 pacientes em quase cinco meses de funcionamento.
O serviço é o primeiro em Alagoas 100% Sistema Único de Saúde (SUS), com foco no cuidado e no acolhimento dessas pessoas, oferecendo consultas especializadas, exames clínicos e tratamento adequado, de acordo com as particularidades de cada usuário.
Entre os pacientes, está José Matheus Rocha da Silva, que procurou o serviço do Ambulatório LGBT do Hospital da Mulher para se consultar com um clínico geral e um urologista, por duas questões: pela forma como as recepcionistas atendem os usuários, já que tinha ouvido falar muito bem de amigos que passaram pelo ambulatório, e pela unidade hospitalar ser próxima de sua residência.
Ele tem 17 anos, é estudante de pedagogia e está no terceiro semestre da faculdade. Nas horas vagas, gosta de preparar doces. “Fui a muitos postos de saúde e até em clínicas particulares para atendimento especializado e, se eu conseguia um encaixe na agenda do médico, o valor era muito alto”, disse, lamentando.
Segundo ele, ao telefonar para o Hospital da Mulher e marcar a consulta no ambulatório, o atendente foi muito bem educado, o tratou com respeito, marcando o horário e o dia para que ele viesse ser atendido com os especialistas. “O atendimento das recepcionistas foi maravilho, desde que eu coloquei meus pés aqui dentro. Elas são muito educadas, simpáticas, ninguém olhou pra mim de modo torto ou algo do tipo. Não sou transexual, mas perguntaram o meu nome social, tudo dentro dos conformes. Senti-me acolhido”, elogiou.
Para José Matheus Rocha, a importância de o Hospital da Mulher ter dentro de seus serviços um ambulatório voltado às pessoas LGBT, é um ganho para saúde pública alagoana. A seu ver, a maioria da população depende exclusivamente do SUS. “Todo mundo que trabalha aqui passa a conhecer a gente dia a dia, com cada consulta. Isso é fundamental, porque mostra a relevância e a visibilidade que as pessoas LGBT possuem na sociedade. Imagino o quanto deve ser difícil pra uma pessoa transexual chegar a algum consultório e falar seu nome social. Acho que deve ser uma das piores sensações, a de você ir a determinados lugares e não ser aceito”, complementou.
A fim de ser o José Matheus “que sempre sonhou”, aos 13 anos, criou coragem e contou à sua família que era gay. Fase em que, de acordo com ele, passou a conhecer melhor o mundo e a si mesmo. “Vivia me prendendo. Era aquela corrosão por dentro. Estava mentindo para agradar aos outros. Moro com meus avós e eles me aceitam do jeito que eu sou. Minha família me aceita sem preconceito nenhum. E da mesma forma me sinto aqui, como se eu estivesse na minha casa, graças ao atendimento dos profissionais do Hospital da Mulher”, completou.
Já a mulher trans Aurora dos Santos, de 16 anos, procurou o Ambulatório LGBT do Hospital da Mulher para iniciar o tratamento da hormonioterapia. “Procurei o hospital justamente porque vi na internet que o atendimento é adequado, rápido e respeitoso com a gente. Sempre quis tomar hormônio por conta própria, mas o medo do meu organismo não estar preparado para receber, fez com que eu buscasse ajuda profissional. Resolvi ser paciente e fazer tudo da maneira correta aqui no ambulatório”, contou.
A enfermeira e coordenadora do Ambulatório LGBT do Hospital da Mulher, Andréa Teodozio, destacou que, desde o início dos atendimentos no consultório, todos os pacientes têm elogiado o serviço. “Cada um fala de um paciente após ser consultado é uma retomada de suas capacidades, de sua autonomia e de sua qualidade de vida, com mais felicidade e aceitação no campo social. Isso, para eles, tem sido muito gratificante. A cada consulta, eles saem mais resilientes”, observou.
Atendimento
Andréa Teodósio explicou que o atendimento no ambulatório tem início com um enfermeiro. A partir da avaliação da profissional é que será feito o encaminhamento para a assistente social e psicóloga e, também, aos profissionais médicos, a depender da necessidade de cada usuário para as especialidades, como ginecologia, urologia, proctologia, mastologia, psiquiatria, infectologia e endocrinologia.
No primeiro contato com o usuário, o enfermeiro vai solicitar as informações importantes para a composição do prontuário, como, por exemplo, o perfil socioeconômico, como a pessoa LGBT se identifica com seu gênero, entre outros tópicos. No segundo momento, o enfermeiro faz o acolhimento, conversa sobre a história do paciente e, a depender desse histórico, o direciona para a equipe médica multiprofissional.
Andréa Teodósio lembrou que, em dezembro, o Ambulatório LGBT recebeu um homem trans, de 34 anos, que nunca tinha ido a um ginecologista. Neste caso, o foco foi encaminhá-lo primeiro para esse profissional, já que ele é homem trans, mas possui útero, ovário, mamas e, portanto, precisa ser feito toda a avaliação para iniciar o Processo Transexualizador.
“A primeira consulta é a de enfermagem. Nesse primeiro contato, preencho um formulário de cadastro, com algumas perguntas, e outro, de acolhimento, que consta alguns dados importantes que eles precisam responder, como, por exemplo, se já fizeram uso de hormônios ou de drogas. Eu não preencho apenas esses formulários nas consultas, mas, também, procuro entender a vida do paciente desde a infância”, frisou.
De acordo com Marcos Ramalho, endocrinologista do Hospital da Mulher, o processo de hormônio mtransição é uma parte fundamental no tratamento dos pacientes, visto que a maioria possui um histórico de sofrimento e alto índice de depressão e automutilação, pela falta de aceitação da família e da sociedade, que ainda são carentes de informação.
“O objetivo da consulta é identificar se a pessoa já tem algum tipo de comorbidade que pode ser piorada com a hormonioterapia, bem como orientar o paciente sobre os riscos e os cuidados que ele deve ter, para que o processo aconteça da forma mais segura possível. Além de melhorar muito a dinâmica mental do paciente, a hormonioterapia consegue, também, estabilizá-lo afetivamente e socialmente”, destacou.
Hormonio transição
O endocrinologista do Hospital da Mulher salientou que o Ambulatório LGBT veio para suprir uma demanda dessas pessoas, pois, de todos os pacientes que foram atendidos por ele, 80% experimentaram a hormônio transição por conta própria. Marcos Ramalho ainda explicou que, para os pacientes que pensam em realizar algum procedimento cirúrgico, a hormônio transição acontece sob duas formas: a pré e pós-cirurgia.
“Depois que ele passa pelo psiquiatra, onde é diagnosticado a disforia de gênero, o paciente é encaminhado para a consulta endocrinológica, para que seja reafirmado o diagnóstico. Identificando se o paciente está apto a iniciar a hormônio transição, prescrevo os exames e fazemos o acompanhamento de forma mais segura ao paciente”, disse.
O especialista do Hospital da Mulher recomendou que a prática da atividade física é muito importante para os pacientes, porque a hormonioterapia causa algumas alterações no que diz respeito à mudança de humor e da libido. “Portanto, a alimentação saudável e exercícios físicos regulares vão minimizar, e muito, os efeitos desses hormônios nos pacientes”, orientou.
Atendimento
Para a marcação, a pessoa LGBT deve ligar no telefone (82) 3131-1395, das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira, e solicitar ao videofonista o agendamento para a consulta de enfermagem LGBT. Ele vai identificar a solicitação e autorizar a marcação no Sistema de Regulação (SisReg), posteriormente enviará por e-mail a marcação, caso o solicitante tenha.
Contudo, se ele não tiver e-mail, o videofonista informará um código de acesso ao solicitante para ele possa ser atendido no ambulatório. Os atendimentos das consultas acontecem durante a semana.