No Dia do Professor, o Portal T5 conta a história de uma educadora que é referência e inspiração para autoafirmação e enfrentamento a preconceitos na única escola quilombola de João Pessoa.
Reconhecimento de origem étnica, arte, música e literatura são capítulos que, quando inseridos no roteiro da vida de crianças e adolescentes, podem mudar o rumo de desfechos recorrentes das histórias de personagens inseridos no cenário da vulnerabilidade social brasileira.
As fortes raízes da única escola com identificação quilombola de João Pessoa, na Paraíba, resiste na conservação dos princípios sociais da etnia, desde a fundação, em 1974. Erguida com paredes de taipa, de maneira voluntária, por uma das lideranças do Quilombo Paratibe, o ambiente foi criado pela necessidade alfabetizar mães e filhos da comunidade.
Mais do que um espaço para o conhecimento do ler e escrever, a escola tornou-se incentivadora da cultura afro-brasileira pelas mãos de uma descendente direta de negros refugiados da escravidão. Antônia do Socorro Silva Machado sabia que a verdadeira alforria de seu povo era oferecida pelo poder da educação.
Após quase meio século, a instituição rebatizada com o nome de sua fundadora, recebe descendentes do poder da transformação pelos livros dispostos a não deixar o ciclo romper. Maria Silvânia leciona desde os 19 anos, quando deixou o sertão de Pernambuco em busca de uma vida melhor na capital paraibana.
Criada na roça e vendendo coentro em feiras livres da cidade desde os sete anos, a filha de um agricultor e uma costureira encontrou nos livros do curso de Magistério o caminho para a independência.
Orgulhosa de ter sido uma das melhores alunas da turma na época de estudante, Silvânia contou em entrevista ao Portal T5 que a fome pela educação vinha da vontade de vencer dificuldades. "Não era muito bom comer rapadura com farinha, mas eu não reclamo. Aprendi a ter honestidade, sinceridade e, ao longo do tempo, como me colocar no lugar do outro", disse.
Em João Pessoa, a professora continuou a estudar e concluiu a graduação e especialização na área de linguística. Depois de quase 30 anos em salas de aula, Silvânia atualmente é mãe de dois filhos e frequenta um cursinho de português para se manter atualizada.
A cada palavra escrita na lousa branca, a professora acredita que ajuda a traçar e fortalecer com a ferramenta mais justa os sonhos e o futuro de seus alunos. "O único meio de transformar vidas é a educação", garantiu.
A Escola Municipal Quilombola Antônia do Socorro Silva Machado segue há cerca de quatro anos no processo de reconhecimento de origens afro-brasileiras com apoio de pesquisadores e estudantes da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Por pertencer a uma área reconhecida como quilombola pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a instituição deve cumprir as diretrizes curriculares de modalidades especializadas do Ministério da Educação.
Mas a autoafirmação dos estudantes e pais na região não foi fácil. "No começo eles não queriam aceitar que eram quilombolas, tivemos que fortalecer esse lado", contou.
"A gente precisa vencer o preconceito de cor e nossos alunos já têm evoluído muito"
Professora Silvânia
Aliada de Silvânia, a música conseguiu quebrar barreiras na turma de 31 alunos do 3º ano do Ensino Fundamental. Entre as aulas de Português, História e Artes, os versos das canções vão surgindo com ajuda da professora, que não impõe barreiras. "Definimos um tema e vamos escrevendo no quadro a letra da música. Isso ajudou no desempenho das crianças. Podemos fazer tudo com a música, estudar o alfabeto, separar sílabas, interpretação e produção de texto, além do conhecimento da cultura. Música é um universo de aprendizagem", explicou.
O desempenho dos estudantes é analisado pela equipe pedagógica da instituição, que percebeu a melhoria no desenvolvimento e aprendizagem com as atividades da temática afro-brasileira. "Eles ganham autonomia, liderança, proatividade e vão se articulando nesses projetos de música, dança e teatro", disse a diretoria pedagógica da escola, Nilcione Maciel.
Apelidos racistas, comuns entre as crianças de oito e dez anos, são combatidos pela professora na sala de aula. Problemas aparentemente pequenos também sentidos na pele por Silvânia podem desencadear problemas maiores dentro e fora da escola. A música é dispositivo que auxilia na evolução. Veja o vídeo:
As violações de direitos fora da instituição também são batalhas da educadora. Só quem é negro e morador de periferia, em uma grande cidade, sabe quais mãos estendem oportunidade para decolagem em voos para o futuro. Entre os pequenos frequentadores que cruzam as portas das salas de aula, ainda em jejum, a educação de qualidade na favela é considerada luxo.
Sem desistir e para não perder mais alunos para o tráfico de drogas, a professora foi mais longe e criou o projeto cultural voluntário Luz do Amanhã. "Aos sábados recebemos na escola meninas e meninos da comunidade para aulas de dança com objetivo de combater a vulnerabilidade social e ensinar a moral cristã", contou orgulhosa.
O sonho erguido por Dona Antônia apenas em um cômodo com poucos alunos, há 45 anos, cresceu e tornou-se referência na educação étnica de seu povo no estado. Hoje, 27 anos depois da morte de sua fundadora, a escola possibilita a mais de 1,2 mil crianças da região a oportunidade de escrever o amanhã.
Como fez lá atrás, no interior pernambucano, a professora Silvânia, que não perdeu a esperança e persistiu no sonho de conquistar uma vida melhor longe de casa, enfrentando preconceitos e atestando autoafirmação.
No fim da entrevista, ao falar de seus alunos, ela declarou como se ainda estive aos 19 anos, com a confiança preservada, que a educação é a única chave para escrever novas histórias.