Solo sagrado POR JULIANA ALVES

Em reportagem especial, Portal T5 conheceu duas famílias que vivem da agricultura familiar
e dão voz ao movimento da agroecologia em Esperança, na Paraíba


As mãos calejadas recebem da terra o fruto puro. Cria de um solo seco e fértil. Sagrado. Do quintal de casa, Nina e Givaldo colhem frutas que já nascem livres. “Aqui não se usa veneno”, diz ele, “não precisa”. A convicção vem de quem conhece o tempo da natureza. Sabedoria que desponta do cuidado e respeito diário pela terra, berço dos agricultores.

O astro-rei está no seu lugar mais alto no céu. Maria das Graças, a Nina, 51 anos, sentencia: “Quando o sol tá frio, a gente vai pra roça. Quando tá quente, nós fazemos as polpas”. A caminho da cozinha onde é produzido o extrato da fruta, principal fonte de renda da família, uma caixa de manga. Está na safra, é época de fartura. No espaço, construído ao lado da casa de Nina, as frutas são lavadas, descascadas e passam no liquidificador junto com água - que fica armazenada em uma cisterna. O processo se repete com outros tipos de frutas, como acerola, maracujá, goiaba, caju, graviola e cajá.


Nina embala a polpa em saquinhos de 200 gramas, que serão congelados e vendidos no mercado local, entre restaurantes, supermercados e quitandas de feiras agroecológicas. Para dar conta de toda a demanda, ela e o esposo, 52 anos, contam com o auxílio da filha, Janielle, 21.

Juntos, eles produzem cerca de 400 quilos de polpas em um dia. “Nossa produção é maior que a de muitas indústrias por aí”, avalia Givaldo, dono de um hectare (mil metros quadrados) de terra. A rotina é a imagem fiel da agricultura familiar, onde todos participam.




A família vive a 12 quilômetros do centro da cidade de Esperança, no Brejo da Paraíba. Assim como outros agricultores ecológicos da região, Nina e Givaldo dão continuidade a uma tradição de resistências sociais contra projetos políticos e econômicos que prejudicam a agricultura familiar. Na contramão desse sistema, os agricultores do Polo da Borborema se organizam coletivamente para valorização e desenvolvimento da agroecologia. Pela defesa do território e proteção da cultura.


O município de Esperança está situada a 150 quilômetros de João Pessoa, capital paraibana. A cidade tem 33 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e está localiz


Desde que aderiram a este movimento, os produtores da região mudaram seus modos de vida e passaram a se enxergar como sujeitos políticos, atuando na luta por direitos e pela sobrevivência. Nessa mobilização, a lógica coletiva ganhou destaque, através da construção de uma identidade e do cultivo do diálogo.

Hoje, Nina e Givaldo trocam experiências com a comunidade; aprendem e também ensinam. Todos são beneficiados. Nesse modo de vida, os agricultores têm o apoio da AS-PTA - Agricultura Familiar e Agroecologia, que é uma associação sem fins lucrativos. Por meio dela, os produtores conseguem ter acesso a projetos que fortalecem o desenvolvimento rural sustentável - a exemplo do fogão e do biodigestor ecológicos.


Energia Solar

Nina e Givaldo respiram aliviados. Têm acima da cabeça a tecnologia que torna viável a produção de polpas de frutas. Quatro placas fotovoltaicas, no telhado de casa, reduzem o custo de manter cinco freezers ligados ao mesmo tempo. Instalado há cinco meses, o equipamento, que transforma luz solar em energia, conseguiu produzir 70% da demanda da família. “Quando a gente dizia que um dia ia colocar essas placas, as pessoas ficavam rindo, achavam que era impossível”, relembra a agricultora. A tecnologia avaliada em mais de 40 mil reais parecia mesmo distante. Mas foi possível através de um projeto do comitê de Energia Renovável do Semiárido (CERSA), que fez a instalação gratuita.




Animados com as vantagens do sistema fotovoltaico, Nina e Givaldo planejam aumentar a produção de energia. Para dobrar a quantidade de placas, eles solicitaram financiamento ao banco que atende agricultores e comerciantes do Nordeste. “Foi a melhor coisa que a gente fez. E se vier mais, melhor”, vibra ela, confiante na aprovação do crédito. A família é a única na região com a tecnologia em casa e, inseridos na lógica agroecológica, acreditam que esse é um sistema amigo da agricultura familiar. Por esse motivo, lutam para que mais agricultores tenham acesso aos benefícios das placas.


Para o casal, é preciso descentralizar a produção de energia nas propriedades rurais, utilizando um sistema sustentável e que beneficie a vida das pessoas do campo. Por isso, são contrários aos grandes negócios que se esforçam para instalar sistemas eólicos para geração de energia. Nina tem consciência dos impactos provocados pelos equipamentos que convertem vento em energia; mas quando questionada sobre eles, só se lembra dos mais sensíveis. “Se instalar aquelas torres a gente perde tudo. Porque os pássaros não iam mais cantar, não ia ter esse ar puro, ia ser muito quente e ter muito barulho de dia à noite. Deus me livre", comenta ela, procurando um lugar no terraço para fixar o olhar. Está perdida só de imaginar viver sem o que torna a vida possível.

Nina e Givaldo têm esperança. Eles acreditam que a vida de outros agricultores agroecológicos pode melhorar com a possibilidade de trabalho com energia limpa. Com os pés no chão, sabem que não é simples. Ainda há muito caminho pela frente.



Solo sagrado, mel adoçado


O mato seco que brota da terra vai para o fumigador. Vira fumaça. Delfino, que prefere ser chamado de Del, está paramentado. A roupa mais parece um traje de astronauta. Está pronto para tirar das abelhas o doce que elas produziram. A fumaça acalma os insetos e facilita a missão. Denise, a esposa, observa de longe abraçada com a filha Aninha, 4 anos, e protegendo Henrique ainda no ventre.

Na volta da destemida arte, com a sabedoria de quem respira o campo, Del explica que o mel está mudado por causa da florada das plantas. “Quando está na época do cajá ou da manga o mel fica mais claro, e com gostinho de fruta”, diz ele, apontando para o favo que tirou.


Del e Denise são jovens, ainda não chegaram aos 30. Vivem num “mundo mágico”, ela diz. São felizes, moram na terra sagrada que escorre mel. Abelhas-italiana e uruçu adoçam os arredores da casa e dentro de caixas de madeira produzem o ouro doce que sustenta a família de agricultores.

Aos poucos, Del se torna referência na apicultura do Brejo paraibano. O jovem produtor aprimora as técnicas que aprendeu com um tio em cursos e formações acessadas através da AS-PTA - Agricultura Familiar e Agroecologia. O conhecimento adquirido qualifica a atividade com as abelhas. As condições técnicas para o trabalho são melhoradas graças a programas de financiamento, mas parte dos equipamentos que ele utiliza ainda é emprestada. Del pensa no futuro, planeja possibilidades de investimento para aumentar a capacidade de produção.




No mesmo solo, a família também se dedica ao cultivo de hortaliças. Em poucos metros, pés de alface, cebolinha, pepino, pimentão, hortelã e limão ganham cores e sabores. Os frutos são puros, nada de agrotóxicos. É sinal de libertação. Todo o processo segue a lógica agroecológica e ganha sentido pelas mãos dos agricultores. O lema ensinado e reproduzido é único: respeito e o cuidado com a terra vêm primeiro.

Toda a produção de Del e Denise é vendida em feiras agroecológicas, no centro de Esperança, no Brejo paraibano. Lá, tudo faz sentido e tem valor. Retornam para casa satisfeitos, estão no caminho certo.


Histórias reais
  • MARIA DAS GRAÇAS
    MARIA DAS GRAÇAS

    Conhecendo a importância de também ser protagonista na agroecologia, a produtora, 51 anos, se realiza compartilhando experiências na comunidade.

  • GIVALDO
    GIVALDO

    Se reconhecendo como sujeito político, o agricultor, 52 anos, é atuante nas mobilizações a favor da agroecologia e em defesa do território

  • JANIELLE VICENTE
    JANIELLE VICENTE

    Mãe aos 21 anos, a filha de agricultores sonha em cursar Agronomia para ajudar os pais.

  • DENISE MARCELINO
    DENISE MARCELINO

    Grávida do segundo filho aos 26 anos, a agricultora é responsável pela quitanda agroecológica regional em Esperança, na Paraíba.

  • DELFINO SILVA
    DELFINO SILVA

    Se tornando referência na apicultura paraibana, Del, 29 anos, sonha em criar a própria marca de mel.


REPORTAGEM
Juliana Alves

COORDENAÇÃO E PESQUISA
Dennison Vasconcelos

AGRADECIMENTOS
Dui Borges, Markson Rodrigues, Neto Fernandes, Verônica Violeta e Nirley Andrade.

Publicado em 29 de janeiro de 2023

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