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Coluna - Josival Pereira

Sempre assim: ricos comem a carne e os pobres roem os ossos

Josival Pereira analisa movimentação política sobre a reforma tributária, especialmente sobre inclusão de carnes na cesta básica

Por Josival Pereira Publicado em
Aprovacao da reforma
Plenário da Câmara dos Deputados aprovou texto-base da reforma tributária

Não existe como levantar qualquer dúvida em relação a que a carne e outras proteínas animais devem constar da cesta básica nacional sem a incidência de impostos.

Pelo visto, a demanda é de tanto interesse nacional que conquistou os votos de 447 deputados, que votaram a favor, contra apenas três votos pela não aprovação e duas abstenções. Veja-se também que até a bancada do PL (Partido Libera), agindo sob a orientação direta do ex-presidente Bolsonaro, votou contra praticamente quase todos os artigos na lei da reforma tributária, acabou votando a favor da inclusão da carne na cesta básica nacional com imposto zero.

Do outro lado, o relator do projeto de lei complementar de regulamentação da reforma tributária, o deputada petista Reginaldo Lopes, saltou na frente e, contrariando posição da equipe do governo, durante a votação na Câmara, inseriu a carne na cesta básica anunciando que a inclusão era do interesse do presidente Lula, que há mais de duas semanas defendia a iniciativa publicamente.

Afinal, se todo mundo defendeu ou votou na inclusão da carne e outras proteínas de natureza animal na festa básica nacional com imposto zero ainda há o que se questionar sobre o assunto? Existe polêmica possível sobre isso?

Existem esclarecimentos a serem feitos e questionamentos pertinentes.

O primeiro esclarecimento é sobre a natureza estritamente política da mobilização em favor da inclusão. Houve muito mais política partidária do que elementos técnicos na mobilização em favor de emenda da carne. A origem de tudo está ainda na campanha eleitoral quando Lula defendia o direito dos pobres comerem picanha com cerveja. Quando a equipe econômica do governo se juntou ao presidente de Câmara, Artur Lira, na defesa da ideia de deixar a carne de fora na cesta básica, embora beneficiando o produto com desconto de 60% de impostos, a direita bolsonarista parece ter visto uma oportunidade de “roubar” o discurso de Lula. No contraponto, os petistas se apressaram e o relator incluiu a emenda no projeto de lei, isolando Artur Lima e a equipe econômica do governo.

Qual o problema?

No caso específico, Lira e a equipe econômica do governo argumentavam que inclusão da carne na cesta básica elevaria (ou elevará) a alíquota do futuro imposto brasileiro - o IVA (Imposto sobre Valor e Consumo) de 26,5% para mais de 27%. Pela concepção do novo modelo de tributação, todo desconto dado a um produto ou setor produtivo eleva a alíquota geral. Trocando em miúdos, a isenção da carne vai aumentar o imposto de todos, assim como todos vão pagar por isenções e descontos de diversos outros produtos.

Outro registro pertinente diz respeito aos interesses do agronegócio, que jogou todo seu peso na mobilização para aprovação da matéria. É indubitável que quem mais vai ganhar com a regra será o agronegócio, sem que os produtores do país assumam um mínimo de compromisso em contrapartida.

Um problema decorrente da isenção da carne da forma como foi aprovada - inclusão na cesta básica nacional - é que ricos e pobres são tratados em pé de igualdade quando não são iguais. Na prática, os trabalhadores podem até sonhar com a picanha, mas, antes, estarão barateando o preço do filé de cada dia da mesa dos ricos, bem como o bacalhau e o peixe de melhor qualidade.

Sim, mas haveria alternativas para isentar os mais pobres e manter imposto da carne para os mais ricos? Com certeza, sim. Na redação da TV Tambaú, o repórter e apresentador Daniel Lustosa, que nem técnico da área de tributação é, levantou a ideia do cashback para o imposto da carne. Talvez fosse possível, por exemplo, isentar para quem tem renda até cinco salários mínimos ou algo parecido.

O problema é que a disputa política polarizada impediu qualquer discussão técnica sobre a questão.

Vai-se alegar que haveria burocratização, que seria difícil identificar os consumidores por faixa de renda, etc. Pode ser. Mas o aprovado vai gerar um paradoxo de difícil compreensão, que é a inclusão de produtos consumidos basicamente por ricos.

Por mais que parece uma regra de justiça tributária, o imposto zero consolida a desigualdade e faz lembrar o velho ativista social e cultural João de Manoelzinho, lá de Cajazeiras, que, em protesto conta o preço da carne na década de 1960, gritava, antes de ser preso, “os ricos comem a carne e os pobres roem os ossos”. Vai continuar assim.


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Josival Pereira

JOSIVAL PEREIRA, natural de Cajazeiras (PB), é jornalista, advogado e editor-responsável por seu blog pessoal.

Em sua jornada profissional, com mais de 40 anos de experiência na comunicação, atuou em várias emissoras Paraibanas, como diretor, apresentador, radialista e comentarista político.

Para além da imprensa, é membro da Academia Cajazeirense de Letras e Artes (Acal), e foi também Secretário de Comunicação de João Pessoa (2016/2020), Chefe de Gabinete e Secretário de Planejamento da Prefeitura de Cajazeiras (1993/1996).

Hoje, retorna à Rede Tambaú de Comunicação, com análises pontuais sobre o dia a dia da política nacional e paraibana.