Lula e a complicada relação com a Paraíba
Josival Pereira analisa contexto do cancelamento da visita do presidente Lula à Paraíba
Assessoria da Presidência da República anunciou, nesta segunda-feira (22), o cancelamento da visita que o presidente Lula faria ao Estado da Paraíba no próximo dia 26/01.
Talvez tenha sido melhor assim para o próprio presidente. Haverá tempo para a assessoria presidencial se informar melhor sobre o que ocorre na Paraíba. O tempo que decorrer até a definição da próxima data também servirá para melhorar a agenda a ser cumprida no Estado.
A agenda de agora seria a inauguração de 836 unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida na cidade de Patos. Consta que as obras foram autorizadas pelo ex-presidente Michel Temer e a maior parte de execução ocorreu sob a gestão Bolsonaro. Lógico que o atual presidente pode inaugurar a obra que ajudou concluir e cujo programa foi concebido e criado por ele. O risco, porém, era de ser acusado nas redes sociais de inaugurar uma obra que não fez. Tiraria um pouco do brilho de visita.
Além disso, a obra prevista para inauguração é pouco para o que a Paraíba merece e quase nada representativa de uma gestão do presidente Lula. Até da gestão atual.
Não seria nada confortável se a agenda fosse comparada com a última rodada de visitas de Lula a Estados nordestinos na semana passada. Na Bahia, Lula anunciou um centro tecnológico de pesquisas aeroespaciais avançadas, que inclui até pesquisas para a navegação de aviões sem piloto. O projeto está orçado em R$1,3 bilhão, com equipamentos. Em Pernambuco, a segunda fase da refinaria Abreu e Lima vai custar entre R$5 e R$8 bilhões. Na Ceará, o presidente lançou a pedra fundamental do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), um dos centros de estudos mais qualificados do mundo, que vai custar R$130 milhões. Pode-se considerar que todos são fantásticos projetos de desenvolvimento estratégico que o Nordeste vai ganhar.
Como Lula viria à Paraíba inaugurar 836 casas que nem construiu? Por que não um avançado projeto de desenvolvimento estratégico como os da Bahia, Pernambuco e Ceará?
O problema da Paraíba não é de agora. Vem de longe. Não conseguiu, por exemplo, emplacar nenhum projeto de desenvolvimento estratégico nos dois primeiros governos Lula como fizeram quase todos os Estados da região. Não houve indicação nem pedido dos líderes políticos estaduais da época. Foi o período da disputa fratricida entre Maranhão (ex-governador José Maranhão) e os Cunha Lima (Ronaldo e Cássio Cunha Lima). As brigas políticas internas prejudicaram o Estado desde a segunda gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Além de não pleitearem, as lideranças políticas de Paraíba atrapalhavam e inibiam a ação do governo federal no Estado.
O atual governador João Azevedo fez pleitos de projetos estratégicos para o desenvolvimento do Estado que estão no PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), mas não de grande vulto como os pleiteados por outras unidades da região (refinarias, estaleiros, polos siderúrgicos, plantas automobilísticas, etc). A Paraíba pede de forma acanhada como é sua bancada federal.
O presidente Lula não tem culpa pelas brigas e miopia da política na Paraíba, mas não pode fugir à responsabilidade. Um plano de desenvolvimento estratégico para uma região não pode ser montado por indicação política. O caráter técnico necessário deveria e deve se impor sobre o atraso e a mesquinhes das disputas locais de poder.
Mas ainda há tempo. Para o governo Lula e, sobretudo, para os políticos da Paraíba, que podem muito bem refletir e se unirem em torno de projetos de futuro para o Estado. A menos que o vírus das porfias do recente passado de intrigas se mantenha contaminando a ação política do Estado Brasília.
Pior é que já existe suspeita de práticas deletérias inibindo o governo Lula. Um episódio recente plantou essa desconfiança. Foi por ocasião da visita da ministra Nísia Trindade (Saúde). A assessoria do Ministério teria, inicialmente, descartado a sugestão de realizar o evento de entrega de ambulâncias no Espaço Cultural alegando que precisaria de um espaço neutro. Marcou para a UFPB, mas descobriu depois que o local era adverso, o reitor era bolsonarista. Acabou aceitando o distante e meio politicamente desrotulado Centro de Convenções. Curiosamente, o governador João Azevedo viajou e não compareceu ao evento com a ministra.
Pode parecer mera especulação, mas a agenda que estava prevista para Patos parecia também atender a essa perspectiva de espaço um tanto neutro. Não existe como não sondar: afinal, Lula, apesar de ter vencido em todos os municípios, não apareceu na Paraíba durante a campanha eleitoral, na qual adotou as candidaturas do senador emedebista Veneziano Vital do Rêgo (governador) e Ricardo Coutinho (senador) contra o governador João Azevedo, aliado filiado ao PSB, legenda de seu candidato a vice-presidente, e no primeiro ano de governo veio apenas a um evento da iniciativa privada. Nada com a política local. Há algo de complicado na relação do presidente Lula com a Paraíba.