Prenderam o padre, mas as comportas de desvio de verbas em hospitais filantrópicos continuam abertas
Josival Pereira analisa escândalos de corrupção em unidades filantrópicas que recebem verbas públicas
As investigações de desvio de recursos no Hospital Padre Zé ganharam novo status na última semana. O padre Egídio Carvalho está preso. A ex-diretora administrativa e a ex-tesoureira, Jannyne Dantas e Amanda Duarte, respectivamente, também estão custodiadas, uma na cadeia, a outra em domicílio.
Ao conseguir a decretação das prisões, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado), órgão do Ministério Público, apresenta, de certa forma, uma resposta concreta aos apelos sociais em relação às denúncias de grande esquema de desvio de recursos do Hospital Padre Zé ou, mais precisamente, da ASA (Ação Social da Arquidiocese), entidade mantenedora do hospital.
As denúncias impactam. O esquema comandado pelo padre Egídio teria desviado R$ 140 milhões do Hospital Padre Zé durante os 13 anos de sua administração. Com o dinheiro, acumulou um patrimônio de 29 imóveis. Viveu uma vida de luxo e se espraiou na esbórnia. A média de despesas pessoais do padre em 2022 pagas com recursos do hospital foi de R$ 141 mil mensais. Sobram imoralidades nos relatórios da investigação.
O caso se torna mais chocante porque a indecência da roubalheira é cometida por um sacerdote católico e porque foi aplicada em um hospital que atende às pessoas mais pobres da grande João Pessoa, pacientes que não encontravam vaga em nenhuma outra unidade de saúde.
Difícil saber o que vai acontecer no final da investigação. Advogados do Padre Egídio já plantaram um recurso que questiona aspectos da legalidade da investigação (suposto desencadeamento de operações policiais fundado em denúncia anônima). O desembargador Ricardo Vital negou a liminar, mas o veneno que mata grande parte das ações envolvendo corrupção – erro procedimental ou processual - está inoculado no processo. Espera-se que o Ministério Público disponha de antídoto eficaz.
Bom, parece que fecharam as portas da roubalheira de verbas da saúde no Hospital Padre Zé, mas as comportas de desvios de recursos nos hospitais filantrópicos continuam abertas. Lógico que existe também largos canais de desvio de dinheiro das unidades públicas de saúde, mas, em razão do problema no Hospital Padre Zé, o foco agora são os hospitais filantrópicos, que são instituições privadas, ditas sem fins lucrativos, contratadas por entes públicos para a prestação de serviços de saúde.
O Brasil teria cerca de 2.600 unidades filantrópicas de saúde. E não há nenhuma surpresa em denúncias de corrupção. A história está repleta de casos absurdos. Basta pesquisar sobre as Santas Casas, unidades criadas ainda na colonização e consolidadas no Império. Investigações realizadas ali entre 2013 e 2014, num momento de crise das unidades, revelaram um esquema de desvio de R$21 bilhões nas Santas Casas, especialmente no Rio de Janeiro e São Paulo. Mas nenhuma, no Brasil, escapou do mar de corrupção. A corrupção e a incúria mataram as Santas Casas.
Sempre que se apura a atenção, em qualquer tempo, aparecerem denúncias de corrupção em hospitais filantrópicos. Na Paraíba já surgiram muitas denúncias. Existem sempre grupos familiares ou de interesse que se apoderam das entidades mantenedoras e se apropriam indevidamente das verbas públicas destinadas a esses hospitais que, geralmente, gozam de grande simpatia popular.
Nos últimos anos, o facilitador da destinação de emendas parlamentares (há um percentual obrigatório para a saúde) tem irrigado os cofres dos hospitais filantrópicos. Em 5 anos, o Hospital Padre Zé teria recebido R$290 milhões de verbas públicas. No momento, existem investigações de denúncias de mau uso de verbas de emendas no Hospital Help, em Campina Grande, uma grande unidade de universidade privada.
Há um problema que precisa ser corrigido urgentemente. Essas unidades filantrópicas precisam ser fiscalizadas religiosamente na parte que implica na aplicação de recursos públicos. A realidade está comprovando que a legislação é frouxa nesse sentido. O dinheiro público, seja aonde for, seja por quem seja aplicado, precisa ser fiscalizado rigorosamente. É essa a lição que os fatos e a roubalheira no Padre Zé escancara.
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