Reações e efeitos práticos da inelegibilidade de Bolsonaro
Josival Pereira analisa como efeitos práticos da inelegibilidade devem se diluir no tempo
Não é fácil entender o eleitorado brasileiro. Mesmo os que são considerados tolos ou alienados, não são tão bestas assim.
É o que se pode observar 4 dias após a decisão do Tribunal Superior Eleitoral tornando o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível para as próximas eleições. A expectativa do bolsonarismo era que o mito fosse transformado em lenda. Esperava-se comoção nas redes sociais e um amplo movimento de protesto em nome de uma suposta perseguição política sofrida pelo capitão.
Pelo menos nesse primeiro momento o vitimismo não funcionou. Existe o sentimento entre os seguidores do ex-presidente, mas não em grau suficiente para virar um grande movimento de protesto. Pode até ainda vir, mas agora parece bastante improvável, segundo os levantamentos do comportamento dos frequentadores das redes sociais.
Por que mesmo os seguidores de Bolsonaro têm se comportado de forma mais comedida em relação ao fato da inelegibilidade?
Uma forte razão pode ser a ausência de surpresa no que diz respeito à decisão da Justiça Eleitoral. Já era amplamente esperada. Divulgou-se muito. Falou-se muito sobre o julgamento. Normalizou-se a decisão.
Além disso, outro fato que pode decisivamente ter contribuído para a desmobilização dos seguidores foi o encaminhamento antecipado de uma solução político-eleitoral para impedimento do ex-presidente, que é a apresentação da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro como possível candidata a presidente.
O PL insistiu na defesa da candidatura de Michelle e Bolsonaro acabou sucumbindo depois. Ora, se existe uma alternativa apresentada pelo próprio esquema, pode-se inferir que não há mais viabilidade na candidatura do próprio Bolsonaro. Assim, não vale a pena se desperdiçar energia por uma luta improvável.
Outro fator a ser considerado é o da existência de um sentimento, ainda que meio subterrâneo, de que Bolsonaro é um problema político instransponível. Pela impossibilidade de reversão da decisão do TSE, pelas muitas ações e processos que ele ainda responde na Justiça e mesmo pelos problemas de imagem que acumulou durante o exercício da presidência. Por esse sentimento, que predomina na direita não radical, Bolsonaro é melhor como cabo eleitoral do que como candidato.
Precisa-se ainda contabilizar o comportamento de Lula e do PT como um dos motivos da ausência de reação mais exacerbada nas redes sociais à decretação da inelegibilidade. Os petistas evitaram comemorar em excesso exatamente para não dar motivo para mobilização do bolsonarismo. Lula chegou a dizer que inelegibilidade é assunto da Justiça Eleitoral e não dele, evitando comentar o caso.
Não se pode perder de vista, porém, que uma coisa é a reação imediata e outra o movimento político estruturado. Nesse particular, pode-se continuar apostando que a polarização entre o bolsonarismo e o petismo não vai arrefecer no curto e talvez até no médio prazo.
A verdade é que ninguém encarna mais o antipetismo e o antilulismo do que o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele vai continuar catalisando esse movimento. A pré-candidatura de Michelle, lançada para impedir o surgimento de outra liderança de direita no vácua da inelegibilidade, também servirá para alimentar a polarização.
Do outro lado, mesmo sem querer dar razão para a vitimização, Lula e o PT devem, de alguma forma, continuar estimulando a polarização com Bolsonaro. Seria a forma de ter como adversário um líder sem perspectiva direta de poder, que tende a perder força, mas continuará sendo importante para o não surgimento de uma liderança da direita menos problemática.
Desse modo, os efeitos práticos da inelegibilidade devem se diluir no tempo, o que, certamente, contribuirá para o prolongamento da bipolarização atual da política nacional.
Esse assunto também foi tema do podcast Trocando em Miúdos. Ouça:
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