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Coluna - Josival Pereira

O gado da Barbie; leia análise

Josival Pereria analisa se o filme recém-lançado é uma peça de entretenimento ou se pode haver perigo na esquina

Por Josival Pereira Publicado em
Surpresa jovem asiatica usa oculos escuros em forma de coracao e parece maravilhada afogada em um marshmallow macio rosa chocada com quantas calorias ela consumiu indo para fazer um fofo saboroso
(Foto: Freepik/Reprodução)

Impressionante o movimento de quase catarse coletiva em torno da estreia do filme Barbie. Durante uma semana, um grande contingente de pessoas no Brasil e no mundo se envolveu em tudo sobre o filme como se fosse um bálsamo de satisfação e da instituição do mundo cor de rosa.

As redes sociais inebriaram o mundo. Os meios de comunicação profissionais ajudaram.

Não há como não definir o fenômeno como não sendo de profunda alienação.

Impossível compreender movimento tão intenso aparentemente sem razões justificáveis.

Qual a surpresa se a Barbie é a boneca mais querida do planeta desde a metade do século passado?

O que é a Barbie?

A Barbie todos sabem quem é. Com o sucesso do filme, surge outra questão. O problema agora é saber o que é a Barbie?

A massa que acorreu aos cinemas vai repetir simplesmente que a Barbie é a boneca mais famosa do mundo. Pode-se alegar também que o roteiro do filme é inteligente, atual por envolver a temática do machismo e que é um bom espetáculo de entretenimento. Mas não é somente isso. Barbie é um padrão de vida, um jeito, um comportamento, um modo de ser e de vestir, uma forma de pensar e de agir, uma cor, uma cultura, uma classe social, um produto, um grande negócio, etc., etc., etc. Então, representa muito mais do que se imagina e pode haver perigo na esquina.

Negócio

Para analistas sociais, o filme em si, foi, para começo de conversa, a forma engendrada pela empresa criadora da Barbie de não deixá-la morrer, de reinventar o produto, de o encaixar nos tempos atuais e impulsionar seu faturamento.

Esse aspecto do propósito do filme, o jornalista Chico Barney, em artigo no Uol, explica assim: “O filme da Barbie abandona o mundo cor-de-rosa para abraçar o cinismo mal disfarçado de autoironia. Como aspecto tão cruel quanto brilhante, mistura todas as críticas que a boneca já recebeu a uma miríade dos assuntos importantes do nosso tempo, para apenas transformar tudo em novos ativos da marca”.

Proposta de enganosa

Não que o filme seja condenável. Os críticos elogiam a criatividade, mas chamam a atenção para os enganos de intenção mais profunda. Barney vislumbra o aspecto comercial no extraordinário alcance do empreendimento. A jornalista Karine Dalla Valle, do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, percebeu a armadilha montada na suposta temático do feminismo, uma forma de atrair um oceano de espectadores com um assunto que atualmente agrada o mundo: “Barbie traz reflexões interessantes sobre a mulher, mas em nível soft, que só seria considerado feminismo na década em que a boneca surgiu, lá nos anos 1950”.  Dalla Valle completa que o filme “tem boas sacadas, sutis críticas ao patriarcado, mas não vai longe ao falar sobre o que atravanca a vida da mulher”. Desse modo, deixa colorido o que é um problema dolorido.

Nesse ponto, é inexplicável, então, que um sem número de mulheres brasileiras, inclusive esquerdistas e bolsonartistas, tenham associado vestir roupas na cor rosa, durante a estreia do filme, a uma forma de protesto feminista.

Política

A catarse em torno do filme Barbie é um fenômeno de evidente colonialismo cultural, com profundo viés social e político. É preciso lembrar que a indústria cultural, representada aqui pelo cinema de Hollywood, busca massificar elementos da cultura do dominante. Essa massificação gera adaptação e padronização de novos elementos culturais na cultura do dominado, substituindo características próprias e únicas de sua história. Esses processos têm sido terríveis na história da humanidade.

Ideologia

O filme, ainda segundo entendidos, contém sutis e perigosos discursos de cunho ideológico. Um deles tentaria suavizar e remodelar o capitalismo da mesma forma que tenta fazer com a boneca personagem central do enredo. Chico Barney pinça esse diálogo, que ele entende simbolizar o empresariado capitalista: “Veja só, esses engravatados não são perigosos, são apenas patéticos! Não agem por mal, mas inépcia”. Os engravatados são os personagens que representam o empresariado do planeta. O discurso sugere que existiria ou estaria surgindo uma nova roupagem para o modo de exploração capitalista.

Fascismo

Barney registra ainda a cena na qual a protagonista chora ao ser chamada de fascista por uma adolescente engajada. Trata-se de uma grave questão política presente no mundo todo e que, pelo visto, da forma que o filme aborda, tende a naturalizá-la, com prejuízo da adolescente engajada, uma vez que a Barbie, enquanto estrela máxima, ao chorar, parece vítima do debate. Esse tema não pode ser banalizado. O fascismo é um dos terríveis perigos políticos atuais.

Capitalismo novo

A jornalista Karine Dalla Valle comenta em seu texto no jornal Zero Hora a cena na qual o líder dos engravatados, ao receber a Barbie, que viaja do planeta cor-de-rosa e vai para o mundo real pedir ao seu criador para dar um jeito em seus pensamentos de morte, percebe o poder das mulheres e diz acreditar tanto no poder feminino que quer ganhar dinheiro com isso. É um diálogo que revela que, no fundo, o que importa mesmo é o poder econômico e não a condição feminina. No capitalismo, vira negócio. Aqui, o filme insiste em propagar os princípios básicos do capitalismo. O capitalismo é machista.

Dominação cultural 

Não dá para desconhecer que existem muitos artigos defendendo que o filme se trata apenas de uma peça de entretenimento, um produto de consumo e que é preciso entender que a Barbie faz sucesso desde a década de 1950, sendo, portanto, um fenômeno a se respeitar. É verdade, mas não deixa de ser um produto de dominação cultural.

Transmídia

Há, enfim, quem se resuma a afirmar que o filme Barbie é apenas um fenômeno de cinema, consumo, marketing e comportamento.

O resumo parece despretensioso, mas talvez, neste pontinho, esteja a suma do perigo do fenômeno. Isso tudo está sendo chamado de fenômeno transmídia. O que seria isso? Tomando-se pelo que aconteceu na última semana, é a forma de uma empresa invadir o mundo, massificar produtos e ideais, inebriar e atrair as pessoas abundantemente. Uma forma de comunicação que vai além do marketing tradicional. As pessoas se envolvem emocionalmente e trabalham de graça para promover um produto, uma ideia, uma ideologia, e por aí vai. O mundo todo está em perigo, então. A transmídia parece transformar todo o mundo em rebanho manso. É o fenômeno que gerou o gado da Barbie.

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Josival Pereira

JOSIVAL PEREIRA, natural de Cajazeiras (PB), é jornalista, advogado e editor-responsável por seu blog pessoal.

Em sua jornada profissional, com mais de 40 anos de experiência na comunicação, atuou em várias emissoras Paraibanas, como diretor, apresentador, radialista e comentarista político.

Para além da imprensa, é membro da Academia Cajazeirense de Letras e Artes (Acal), e foi também Secretário de Comunicação de João Pessoa (2016/2020), Chefe de Gabinete e Secretário de Planejamento da Prefeitura de Cajazeiras (1993/1996).

Hoje, retorna à Rede Tambaú de Comunicação, com análises pontuais sobre o dia a dia da política nacional e paraibana.