Propina normalizada e sem gerar escândalos
Josival Pereira analisa declarações de deputados sobre articulação política para votação de matérias de interesse do governo na Câmara
A primeira declaração ocorreu ainda durante na madrugada da quinta-feira, logo após a votação da Medida Provisória que estabelecia a estrutura administrativa do governo Lula. Depois, o deputado Artur Lira, o poderoso presidente da Câmara dos Deputados repetiu tudo em entrevistas:
- Agora, o governo Lula terá que andar com as próprias pernas.
A mensagem se refere a articulação política para votação de matérias de interesse do governo na Câmara, a tarefa de convencer e conseguir conquistar a maioria necessária para aprovação de Medidas Provisórias e projetos.
Mas não é somente isso. A mensagem dita e repetida tem outra parte: “os deputados não vão mais se sacrificar”.
Além de Lira, diversos parlamentares de partidos do Centrão ou independentes, como eles estão se autoproclamando, ecoaram Brasil afora o recado de que os deputados não estão mais dispostos a aprovar matérias do governo sem uma articulação direta do Palácio do Planalto. E há um coro bastante afinado: os deputados não vão mais se sacrificar.
Se ouviu bem, o Brasil deve estar se perguntando: como um deputado se sacrifica votando projetos do governo na Câmara Federal? Quais os prejuízos que podem resultar em um parlamentar cumprir uma de suas obrigações, que é votar as matérias em pauta? A favor ou contra. Essa é a obrigação.
Em não havendo mal entendido, as declarações devem estar fora de propósito. Se não se trata de mal entendido, geram perplexidade e dão oportunidade às especulações que sugerem, que são de uma grande pressão para forçar negociações.
Pode tentar justificar que o tal “sacrifício” se refere a emendas parlamentares. Vá lá. Mas aí surge outra questão: e não caracteriza chantagem condicionar a votação de projetos à liberação de emendas parlamentares?
O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT), admitiu que o governo está atrasando o processo de “entrega” aos parlamentares. Como assim? Existe um processo de compra e venda no Congresso para ter um cronograma de entrega?
Ah! Então o “sacrifício” se refere ao processo de pagamentos de emendas. É isso? Sim. Com certeza, é exatamente isso e o presidente Artur Lira considera absolutamente normal. Pelo que disse o líder, o governo se submete e está também considerando normal. Talvez alegue que outros governos fizeram o mesmo e que, com um Congresso dominado pelo Centrão, não tem saída, o jeito é pagar a conta cobrada.
Talvez não tenha outro jeito mesmo. Essa é a terrível situação da política nacional. Contudo, se a realidade é tão escancarada, por que usar de eufemismo? Por que falar em sacrifício? Por que falar em entrega?
Ora, o nome disso é propina, cuja prática escandalizava muito antigamente, mas, pelo visto, hoje é absolutamente normal.
Que Deus tenha piedade do Brasil.
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