Poder e imoralidade nos partidos políticos
Josival Pereira analisa a mudança que ocorre no quadro partidário, democracia e corrupção
Sempre se disse que a vulnerabilidade da democracia no Brasil era fundada na fragilidade dos partidos políticos.
Em suma apertada, o retrato histórico revela que na Velha República os partidos eram redutos dos coronéis e dos barões do café e do gado; na redemocratização, depois da ditadura de Getúlio Vargas, as várias correntes políticas até que organizam partidos mais estruturados para a constituinte de 1946, mas acabaram podados logo em seguida e extintos pelo golpe de 1964, e, depois da ditadura militar, houve a proliferação de legendas.
Mas o sistema partidário brasileiro está passando por uma grande mudança. Talvez a mudança mais significativa da política nacional. O quadro de 35 ou 36 partidos políticos está se modificando radicalmente. Em mais 10 anos, não serão mais do que 5 ou 6 grandes partidos e mais uma meia dúzia de pequenas legendas.
As mudanças, que podem resultar profundas, são resultados do fim das coligações nas eleições proporcionais e da obediência à regra da cláusula de desempenho ou cláusula de barreira, que impede os partidos que não obtiverem um percentual estabelecido de votos de desfrutarem em plenitude do fundo partidário, do tempo de propaganda na televisão e de ocupação de funções e vagas nas comissões e no Congresso.
Considerando as eleições realizadas desde 2918, 16 partidos não atingiram a cláusula de desempenho, que no pleito de 2022 era a eleição de 11 deputados distribuídos em pelo menos 9 Estados ou 2% dos votos válidos em pelo menos 9 Estados com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada um deles. Essa régua vai subir um pouco mais nas próximas eleições, o que pode significar a reprovação de outras siglas. Dos 28 partidos e federações que concorreram nas últimas eleições, apenas 12 conseguiram alcançar a cláusula de barreira.
A grande mudança é que, depois das eleições, quando vários partidos considerados de porte médio perderam força no Congresso, as legendas começaram a se agrupar em blocos na Câmara Federal. São quatro grandes blocos: o de esquerda, liderado pelo PT; um composto pelo Republicanos, MDB e PSD; outro composto pelo PP, União Brasil, PSB e diversas outras pequenas legendas, e o PL, que representa a direita radical. Não existem mais dúvidas que, em futuro próximo, esses blocos se transformaram em partidos ou federações partidárias.
A redução de partidos acabará com o fenômeno das legendas de aluguel e ajudará na governabilidade (o governo passará a negociar no Congresso com um número reduzido de lideranças e não com 28 (número de legendas com representação na Câmara antes de 2022).
Pode ajudar também na perspectiva de fortalecimento da democracia, resolvendo o histórico problema da vulnerabilidade democrática nacional.
O grave problema, porém, é que os partidos brasileiros são, em regra, corruptos.
O então presidente Collor de Mello, o primeiro eleito depois do fim da ditadura, teria sido cassado por não saber negociar com os parlamentares no Congresso. Fernando Henrique Cardoso tinha um núcleo para negociar com partidos e parlamentares. Lula, em seu primeiro mandato, tinha o mensalão para congressistas de partidos aliados. Noutra fase, os governos petistas distribuíram cargos nas estatais para os partidos, o que acabou resultando no escândalo da Petrobrás. Sem se dispor a negociar, Dilma perdeu a base partidária no Congresso e sofreu impeachment. Bolsonaro passou mais de um ano com problemas no Congresso e só conseguiu respirar depois que entregou o orçamento ao Centrão e, agora, Lula ainda não consegue aprovar nada no parlamento.
O MDB, a sigla mais antiga do espectro partidário nacional, não venceu nenhuma eleição, mas participou de todos os governos desde a redemocratização, quase sempre guiado pelo fisiologismo, e, agora, partidos de direita e de esquerda se juntaram para votar uma ampla anistia às legendas que cometeram irregularidades em eleições desde 2015. Muitas das irregularidades seriam punidas com a suspensão de recursos do fundo partidário (mais de R$1 bilhão ano) e do fundo eleitoral (R$5 bilhões). Não existem limites da lei para os partidos. É a realidade.
Por tudo, reparando bem a história, resta a dúvida se o verdadeiro problema da democracia brasileira é a fragilidade dos partidos ou se a corrupção que medra e guia as organizações partidárias.
A grande mudança do quadro partidário está ocorrendo; os partidos, de fato, vão ter o poder próprio das democracias, mas nada mudará se as legendas permanecerem moralmente corruptas.
Leia mais textos de Josival Pereira para o T5: