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Coluna - Josival Pereira

Caso Dallagnol está totalmente contaminado pela política

Josival Pereira analisa a cassação do mandato de deputado federal do ex-procurador da República

Por Josival Pereira Publicado em
Deltan Dallagnol (Podemos).
Deltan Dallagnol (Podemos). (Foto: Câmara dos Deputados/Reprodução)

A cassação do mandato de deputado federal do ex-procurador da República Deltan Dallagnol (Podemos) ainda reverbera intensamente e deverá continuar reverberando dias afora. É que o caso está totalmente contaminado pela política. Não poderia ser diferente. Dallagnol surgiu para o Brasil como coordenador da Operação Lava Jato, que condenou e pôs na cadeia grandes empresários, diretores da Petrobras e inúmeros petistas, inclusive o presidente Lula. Depois entrou para a política.

Fogo na polarização

O discurso de despedida de Dallagnol na Câmara, nesta quarta-feira, reacendeu a fogueira da polarização que queima a política nacional nos últimos anos. Estava rodeado por 27 parlamentares da direita radical, bolsonaristas, e ainda responsabilizou ministros do STF, o presidente e o PT por sua cassação, se apresentando como vítima de uma “vingança”. Do outro lado, o PT comemorou.

Vingança e justiça

O radicalismo da política vai impedir a compreensão jurídica do caso.

O jornalista Roberto Pompeu de Toledo resumiu que se tratava de vingança, de ato justo e de aviso. Vingança do PT (não da Justiça), que soube buscar na legislação um caminho legítimo para derrotar o inimigo, mas a decisão do TSE teria sido justa por estar de acordo com dispositivo legal. O aviso seria aos políticos de uma maneira geral de que não haverá contemporização.

Além dos limites

Esse resumo poderia explicar tudo, mas o debate tem transbordado para além dos limites do razoável e talvez sejam necessárias considerações que a radicalização não permite enxergar.

Fora razoável no debate é misturar a decisão do TSE com ações envolvendo a política que tramitam no STF e partidos políticos. Isso não é novo, porém. No passado bem recente, era o PT que acusava a Justiça de se associar aos seus adversários para eliminá-lo. Parte da Justiça pode até ter se envolvido, mas todo o sistema de Justiça não pode ser acusado, assim como não pode, se houver equívoco, na decisão sobre Dallagnol.

Golpismo

Parte da reação à cassação de Dallagnol parece até continuidade de atos golpistas. São os ataques violentos ao STF e ao TSE e os discursos defendendo que a Câmara e o Congresso interditem a decisão da Justiça Eleitoral. Seria instalar uma crise institucional com potencial para pôr a democracia em perigo.

Divergência

Sobre a decisão do TSE, existe bastante divergência no campo político, mas bem menos barulhenta do que no terreno jurídico. A principal polêmica diz respeito à aplicação dos dispositivos (alínea “q” da Lei Complementar 64/90, atualizada com a Lei da Ficha Limpa). Um lado sustenta que houve interpretação extensiva para configurar e inelegibilidade. O outro diz que o dispositivo descreve exatamente a situação reclamada.

A lei

A lei diz que fica inelegível o membro do Ministério que pedir exoneração na pendência de processo administrativo disciplinar (PAD). Ocorre que, quando pediu exoneração, em 3 novembro de 2021, ainda não havia PAD instaurado, mas Dallagnol respondia a 15 procedimentos investigativos que poderiam resultar em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) e já havia sido condenado com advertência né censura em dois PADs.

Fraude à lei ou não?

A questão que se estabeleceu é se Dallagnol pediu exoneração como forma de fraudar a lei. Os juristas mais ligados ao direito penal defendem que não, uma vez não ser possível se garantir que os procedimentos se transformariam em PADs e que princípios do direito não permitem a interpretação extensiva da lei para prejudicar o réu.

De outro lado, muitos outros juristas asseguram que o princípio a ser seguido pela Justiça Eleitoral não são os que regem o direito penal e que, mesmo que fosse, a jurisprudência do STF e do TSE já autoriza interpretação mais ampla quando se trata de tentativa de fraude à lei.

Jurisprudência

De fato, existem duas decisões do STJ nesse sentido após a renúncia do deputado Ronaldo Cunha Lima, em 2007, para escapar de julgamento naquela Casa pela tentativa de homicídio contra o ex-governador Tarcísio Burity. Em 2010, o STF decidiu que a renúncia não interrompe o julgamento de políticos. Em 2018, detalhou que a competência para processar julgar ações penais não pode mais ser modificada depois da instauração do processo penal. Em ambos os casos, o entendimento estende a interpretação sobre o foro privilegiado. Não está escrito, mas o STF decidiu que renunciar para perder o foro privilegiado para escapar de julgamento nos tribunais superiores é fraude à lei e não pode ser permitido.

Sequência de datas

No caso de Deltan Dallagnol, uma série de pequenos fatos caracterizaram a intenção de fraudar a lei para os ministros do TSE. Apenas 16 dias antes de seu pedido de exoneração, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) havia exonerado outro procurador federal em PAD por contratar outdoor elogiando a Lava-Jato; 4 dias depois encerraria o prazo de registro de domicílio eleitoral de filiação para quem quisesse ser candidato em 2022, embora o prazo para membro do Ministério Público fosse de apenas 6 meses. Um dia após o pedido de exoneração (4/11/2021), o jornal Gazeta do Povo, principal impresso do Paraná, estampou em manchete que “Deltan Dallagnol pede exoneração do MPF e pode ser candidato a deputado federal”. A notícia diz que já tinha sido convidado pelo Podemos. Esses fatos estão no processo.

Sindicância

Existe ainda um detalhe que poucos juristas perceberam. A representação sustenta que um dos 15 procedimentos que Dallagnol respondia no CNMP – uma sindicância – tem natureza de PAD (Processo Administrativo Disciplinar). Se assim é, não precisaria que houvesse um PAD formalmente instaurado.

Pergunta-chave

Independente de tudo isso, há três ou quatro perguntas que talvez expliquem tudo: Por que um jovem procurador da República, com salário de mais de R$30 mil (à época), com um futuro promissor na carreira, pediria exoneração? Por que não esperar, conforme a lei, apenas mais 5 meses para se desincompatibilizar para ser candidato sem prejuízo de salários? Não seria medo de exoneração? Não seria uma forma de preparação para o ingresso em outra profissão?

Reparem que Dallagnol, como procurador federal, é um profundo conhecedor da lei.

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Josival Pereira

JOSIVAL PEREIRA, natural de Cajazeiras (PB), é jornalista, advogado e editor-responsável por seu blog pessoal.

Em sua jornada profissional, com mais de 40 anos de experiência na comunicação, atuou em várias emissoras Paraibanas, como diretor, apresentador, radialista e comentarista político.

Para além da imprensa, é membro da Academia Cajazeirense de Letras e Artes (Acal), e foi também Secretário de Comunicação de João Pessoa (2016/2020), Chefe de Gabinete e Secretário de Planejamento da Prefeitura de Cajazeiras (1993/1996).

Hoje, retorna à Rede Tambaú de Comunicação, com análises pontuais sobre o dia a dia da política nacional e paraibana.