Emendas parlamentares são o mensalão legalizado
Josival Pereira analisa movimentação política às vésperas da votação do arcabouço fiscal em Brasília
Logo após a aprovação do projeto do arcabouço fiscal na Câmara Federal, a Folha de S. Paulo publicou reportagem revelando que às véspera da votação o governo havia liberado R$1,1 bilhão em emendas parlamentares. Outro volume havia sido liberado na semana anterior.
Nada de novo. No governo Bolsonaro, em votações de projetos de interesse do Executivo, a imprensa também monitorava e revelava os valores em emendas liberadas. Tem sido assim. Os parlamentares condicionam a aprovação de matérias do governo ao pagamento das emendas. Foi até pior em alguns momentos do governo passado, quando praticamente todo o orçamento foi sequestrado pelo Centrão.
Mas não era assim. Lá atrás, bastava que o presidente cedesse ministérios com porteiras fechadas (com todos os cargos internos à disposição) aos partidos e já ganhavam o apoio das bancadas no Congresso.
As emendas parlamentares existiam, mas poucas eram liberadas e somente para aliados próximos. Havia também outras benesses como a liberação de máquinas, ambulâncias (lembram-se da operação sanguessuga?), ônibus escolares, entre outras. O presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) distribuiu também concessões de rádios para aprovar a reeleição. Mas nada escancarado como é atualmente.
A entrega de ministérios deu problema no primeiro governo Lula. O PT queria cargos para executar suas políticas sociais e fechou a porteira dos ministérios (nomeações de todos os cargos). Partidos e governo criaram, então, o mensalão. O pagamento de apoios passou a ser em espécie. Virou escândalo e muita gente acabou na cadeia ou com a carreira comprometida.
No governo Dilma Rousseff, os partidos acertaram com o governo a distribuição de cargos nas estatais, onde podiam administrar contratos bilionários ou milionários e desviar recursos. Acabou na Operação Lava Jato.
A partir daí, então, os parlamentares desenvolveram uma forma engenhosa de pressionar e submeter os governos à insaciável sanha política por verbas públicas. Aprovaram o orçamento impositivo e depois o orçamento secreto. Formam maiorias parlamentares que emparedam qualquer governo. Todos são obrigados a ceder ou não conseguem administrar.
Outro dia a imprensa chegou noticiar que o presidente da Câmara Federal, deputado Arthur Lira (PP), teria ido ao Palácio da Alvorada dizer ao presidente Lula que não adiantava nada ceder ministérios aos partidos, que isso não garantia votos no Congresso, que o governo só aprovaria suas matérias com a liberação de emendas. É a regra. Ponto.
Observe-se a trampolinagem política. O que os congressistas fizeram não foi nada mais nada menos do que institucionalizar o mensalão e as negociações individuais para a liberação de verbas, livrando-se dos riscos de investigações do Ministério Público e de relações perigosas com empresários. Tudo está na lei. Na prática, então, as emendas parlamentares de hoje são o mensalão legalizado.