Questões essenciais ao debate sobre a ideia de engorda de praias em João Pessoa
É preciso se considerar no debate as duas experiências mais amplamente conhecidas de engordas de praias no Brasil.
A ideia do prefeito Cícero Lucena (PP) de realizar a engorda de trechos das praias de Cabo Branco, Manaíra e Bessa acendeu, nos últimos dias, o estopim de uma polêmica que tende a envolver toda a João Pessoa nos próximos meses.
O prefeito tenta conter o debate, com o auxílio do governador João Azevedo, empurrando a discussão para o campo da política, alegando que as criticas iniciais partem de adversários interessados nas eleições do próximo ano. É verdade, mas não se pode querer restringir ou desqualificar o debate sobre a ideia por causa disso.
Na verdade, a questão da engorda de trechos da praia merece um amplo debate envolvendo especialistas, líderes empresariais e sociais, instituições e entidades as mais diversas e a população. Os políticos também. O prefeito Cícero precisa ter consciência de que terá que passar por isso. Não há como evitar esse debate, ainda que, por vezes, possa ser acirrado.
Mesmo sem aprofundamento, existem, de pronto, algumas caras perguntas sobre a proposta e que exigem respostas indubitáveis.
Debate agora ou depois do projeto?
Sem ordem de importância, a primeira pergunta que surge é se o debate sobre a engorda de trechos de três praias na Capital deve ocorrer antes ou após a elaboração do projeto técnico?
O prefeito e o governador, em entrevistas, deram a entender que a ideia só deve ser discutida depois da elaboração do projeto. Mas qual projeto? O arcabouço da ideia ou o projeto técnico pronto e acabado? Se se tratar do segundo caso, talvez haja um erro da gestão. Vai se gastar muito dinheiro por um projeto que pode acabar inviabilizado por um embargo ambiental, uma decisão judicial ou um grande movimento popular de protesto.
O debate pode e deve ser feito já, e a gestão municipal pode liderar a inciativa, embora não seja dona exclusiva dessa discussão. A sociedade, através de seus organismos e representação, tem o direito de discutir o projeto sem pedir qualquer permissão ao poder público.
Qual a finalidade da engorda?
Um segundo quesito (essencial) para o debate: qual a finalidade da engorda da faixa de areia nas praias de Cabo Branco, Manaíra e Bessa?
Perguntas auxiliares podem facilitar uma resposta convincente: as engordas das praias vão servir para evitar a inundação de comunidades densamente povoadas? Há risco para algum patrimônio histórico ou cultural de elevador valor? Vai servir para salvar alguma via de extrema importância para o trânsito?
Se as respostas são negativas para essas três questões, vai sobrar a ideia de que a finalidade do projeto é essencialmente turística. É um objetivo que não pode deixar de ser levado em consideração no debate. O turismo é uma atividade que gera emprego e renda com certa facilidade. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, para cada real investido em projetos turísticos há retorno garantido de R$20,00.
Sim, mas quais os objetivos da gestão municipal? Quer levar João Pessoa aonde nessa possível pegada turística? Vai querer transformar João Pessoa pelo menos no quarto destino turístico consolidado do Nordeste, atrás de Salvador, Fortaleza e área da grande Recife?
Mas aí surgem outras perguntas: João Pessoa precisa de mais praias com largas faixas de areia para incrementar o turismo? A população vai querer que a cidade se transforme num grande destino turístico ou quer valorizar a qualidade de vida?
Fortaleza e Camboriú
É preciso se considerar no debate as duas experiências mais amplamente conhecidas de engordas de praias no Brasil, a de Fortaleza (praia do Futuro) e a de Camboriú. A justificativa para obras em Fortaleza era o avanço do mar, ameaçando destruir até a avenida à beira mar. Em Camboriú, a construção civil invadiu o mar e não existia praia. O turismo exigia. Em ambos os casos há sérios problemas em discussão. Mais em Camboriú do que em Fortaleza, onde o efeito mais nocivo foi descaracterização de um espaço extremamente conhecido. Parece que perdeu fôlego. Mas são duas experiências que precisam ser exaustivamente debatidas.
Copacabana (RJ) e Jaboatão dos Guararapes (PE) também sofreram engordas. Em Portugal, foi executado um grande projeto em praias de Algarves. Em praticamente todos há notícias de que o mar voltou e encobrir a área alargada ou remover a areia colocada. Mas o propósito turístico, pelo menos por anos, se cumpriu na maior parte das experiências.
Barreira do Cabo Branco
Registre-se ainda que a ideia de engorda de praia em João Pessoa apareceu no bojo de um projeto licitado pela Prefeitura, na primeira gestão do prefeito Luciano Cartaxo, entre 2014 e 2015, para conter o avanço da erosão na barreira do Branco. Uma empresa de Alagoas, vencedora a licitação, propôs quatro ações: drenagem na parte continental da barreira, enrocamento, engorda da praia e a construção de quebra-mar, uma barreia física de concreto dentro do mar para amenizar o impacto das ondas.
A gestão do prefeito Luciano Cartaxo executou as duas primeiras etapas, com menos contestações. O quebra-mar sempre recebeu contestação máxima, assim como a engorda da faixa de areia.
Neste item, cabe também uma pergunta: a engorda proposta agora na praia do Cabo Branco tem a ver com a barreira do Cabo Branco?
Pelo visto, não. Teria a mesma finalidade que as engordas em Manaíra e no Bessa. Mas, se tiver, terá que haver um debate particular sobre a barreira. A rigor, não houve queda da falésia nos últimos dois anos. As obras de drenagem e de enrocamento estão contendo a erosão satisfatoriamente. Há estudos de técnicos na universidade que já fazem essa indicação. Talvez não haja mais necessidade de intervenções bruscas ou mais pesadas.
E o impacto ao meio ambiente?
Existe uma outra questão que se impõe. Essa é de fundamental importância: e o impacto ambiental? O embelezamento da orla e os efeitos no turismo compensam o impacto de tão profunda intervenção no meio ambiente? Não há outras alternativas para o turismo?
Nesse ponto, as respostas deveriam ser estritamente técnicas, embora, claro, toda a sociedade (inclusive os políticos) deve ter direito de opinião com base nas opiniões dos estudiosos.
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