Controle de contas públicas: no Brasil, os políticos julgam os próprios políticos
A Assembleia Legislativa da Paraíba concluiu nessa última semana sua 18ª Legislatura, uma conta cujo marco inicial é a o período constitucional inaugurado em 1946, após o fim do Estado Novo (ditadura de Getúlio Vargas).
O que vai marcar o período legislativo de 2019 a 2023 no Legislativo da Paraíba?
É possível que se argumente que foi a implantação do trabalho remoto, imposto pela pandemia do covid-19. É um avanço, sem dúvida. Outros podem defender que foi uma reforma no prédio histórico da Assembleia executada pelo presidente Adriano Galdino ou o volume de matérias votadas, que foi expressivo.
Nada disso. A legislatura que está se findando provavelmente será lembrada pela posição da Assembleia em relação a análise das contas do ex-governador Ricardo Coutinho e do governador João Azevedo, concluída na última semana de trabalho.
Por 31 votos contra 5, os deputados derrubaram pareceres do Tribunal de Contas reprovando 5 contas anuais (3 de Ricardo e 2 de João) e aprovaram as contas consideradas irregulares.
Para registro do contraditório, os parlamentares entenderam que as contas deveriam ser aprovadas porque o Tribunal de Contas havia mudado de critério de análise apenas mais recentemente em relação à contratação de servidores codificados, tendo aprovado as contas dos ex-governadores José Maranhão e Cássio Cunha Lima, em cujas gestões a irregularidade foi instalada e consolidada, e que não haveria indicação de dolo e prejuízos ao erário.
São, efetivamente, argumentos possíveis de consideração no debate, mas é preciso que fique consignado que se trata de alegações nitidamente de natureza política. E é aqui que entra a questão central dessa discussão: a análise da corte de contas é técnico e o julgamento da Assembleia é político. A diferença é abissal.
Não se trata aqui de fazer de estabelecer vereditos sobre as contas do ex e do atual governador da Paraíba, mas de aproveitar os eventos na Assembleia para a promoção de uma discussão mais ampla sobre o controle de gestões públicas.
O problema é que os políticos usaram o instinto de defesa, lá atrás, na elaboração da Constituição, para jogar a análise final de contas, processo último do controle da gestão, para um fórum puramente político, que é o Poder Legislativo (Congresso, Assembleia e Câmaras Municipais). Ou seja: eles próprios se julgam. Resultado: só raramente um gestor tem contas reprovadas em definitivo.
Guardando as devidas proporções, essa reserva de fórum em relação a análise de contas tem a mesma natureza da ideia de empurrar a presunção de inocência para o trânsito em julgado das ações, lugar que, devido a infinidade de recursos possíveis e a lentidão do judiciário, praticamente nunca se chega com os políticos criminosos em vida.
Os tempos mudaram desde a elaboração das constituições nacional e estadual. A sociedade exige hoje mais controle e transparência na atividade pública e política. Talvez esteja na hora de mudar esses dispositivos constitucionais estabelecendo que a análise de contas de gestões públicas seja definitivamente apenas técnica. Afinal, com a devida licença pelo recurso a uma imagem antiga, não dá para continuar se permitindo que as raposas continuem tomando conta dos galinheiros.
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